10 de nov. de 2010

Gay Drama

Não dá pra deixar de pensar no quanto a teledramaturgia brasileira é pobre (pra não dizer podre) ao assistir uma série como Glee: cheia de música, ironia e muito humor negro, além de vários questionamentos e reflexões sobre a sociedade (norte-americana), cuja qualidade conseguiu sobreviver ao "boom" do sucesso na primeira temporada. Claro, as dublagens dos números musicais ainda são muito ruins, mas é (eu creio) a primeira experiência de série musical registrada no mundo. Passando por baixo disso, há a ilustração (ao que me parece) do que é a base da sociedade americana: a escola.
Retrata com primazia a batalha entre os "populares" e os "impopulares" por reconhecimento e\ou adoração dos "não-populares"; os jogos e esquemas de (e por) poder, cheios de corrupção e conflitos de caráter e ideologia; os limites entre interesses pessoais, interesses comuns e interesses alheios; sexo e gravidez na adolescência; dificuldades e provações das pessoas que não estão adequadas aos padrões da moda; choques culturais dentro de uma mesma sociedade; quão normal é a vida de um cadeirante;
E retrata, como jamais vi, o cotidiano de um garoto adolescente assumidamente homossexual. (A Glória que me perdoe, até acho que valeu a pena, mas ela me pareceu um pouco fantasiosa e um tanto extremada ao retratar um jovem gay no Brasil.) Como se não bastasse, o coitado do garoto é o único em sua escola "fora do armário". (OK. Aqui vai começar um vocabulário bem GAY, portanto, aos que não compreenderem bem, vai um glossário lá no final!) Aos ativistas (que eu não sou, por razões unicamente pessoais) e curiosos, aqui vai a dica: as pessoas que não são gays, ou simplesmente escondem, poder até ter ciência do que é estar "fora do armário", mas jamais poderam saber. Bom, jamais poderiam, pois agora podem: o cotidiano de Kurt é tão bem retratado que qualquer pessoa que assistir, ouvir, ou mesmo ler sua história pode, sim, conhecer, compreender, e até compartilhar, essa situação tão peculiar, e tristemente tão comum hoje em dia.
"Ah! Pára, viado! Ele é um esteriótipo!", você vai dizer e eu respondo "Não, ele não é!". Kurt não é uma bichinha quá-quá que adora tudo que é lindo, endinheirado, famoso e pirocudo; É só um garoto tentando se adequar ao ambiente onde vive, sem abandonar aquilo por que prima, seus gostos, suas idéias, sem ser atropelado pelo que as "pessoas normais" consideram adequado, ou correto, que, por vezes, como qualquer pessoa normal (e não "pessoa normal") age contrariando a si próprio pra se encaixar nesse ambiente.
Certo, tem um pai compreensivo, o que facilita muito as coisas. Mas, pelamordedeus!, a série não é uma tragédia, ele não precisa apanhar nem ser expulso pra ser um bom exemplo! Na verdade, é justamente por ter um relacionamento tão bom com o pai que é possível se fazer um retrato tão primaz do cotidiano de um adolescente "fora do armário". Vejam bem, todo mundo sai de casa um dia, então esse tipo de relacionamento, tão glorificado pela sociedade cristã, não tem a menor importância. Afinal, o que é um pai e uma mãe, perto de centenas de pessoas que te orgerizam e molestam simplesmente por você ser o que é? Porque a bicharada fica toda ouriçada, com medo da família, e esquecem que é com todo o resto do mundo que vão lidar pelo resto da vida, que é o resto do mundo que se sente ofuscado e ofendido constantemente com a coragem do homossexual assumido, que os conhecidos podem ser os que mais magoam, mas os anônimos são os que mais perseguem e machucam. E é essa a batalha do intrépido Kurt: enfrentar os anônimos, as pessoas com quem ele tem de lidar todos os dias, o tempo inteiro. E no meio de tudo isso, é óbvio, e lógico, que nosso intrépido companheiro sofre, e sofre MUITO. (E é aqui que eu friso, se hovesse uma batalha com a família, essa dor jamais seria retratada, não numa sociedade cristã.) E, mais que qualquer personagem da série, nosso companheiro merece encontrar a felicidade.
Felicidade essa que, ao que parece, chegou no sexto episódio da segunda temporada (Rápido, não?), originalmente exibida no dia nove de novembro de 2010. Chegou um pouco forçada, mas mesmo assim válida, e muito bem desenvolvida, na forma de um personagem. Sim, é um bofe! Mas não é um bofe qualquer. O rapaz, que estuda e faz parte do clube de coro de outra escola, se chama Blaine, e a maior frustração de sua vida é, pasmem, ter fugido da "caça às bruxas homofóbica" de sua antiga escola, procurando abrigo no paraíso que é sua atual escola. Blaine chegou, não para ser o par de Kurt, como muitos proferem, mas para ajuda-lo a enfrentar as afrontas do ambiente escolar ao qual pertence. E não só dos héteros homofóbicos de plantão, mas também, e principalmente, de um gay homofóbico (que, porventura, "abriu o jogo" ao roubar um beijo de Kurt, no episódio em questão.)! O romance? Eu deduzo que pode haver uma disputa dos dois novos personagens por nosso herói, e pode ser que o tal do Blaine seja só uma bicha suja querendo tirar uma casquinha do Kurt (Isso me parece mais plausível com o histórico da série, mas eu realmente torço pra que não seja!), e só virá mesmo pra mostrar que, no meio de tanta dor, a felicidade existe, chega, e compensa. E como compensa!
Quanto a Glee, não há nada mais a dizer.
Quanto à teledramaturgia brasileira: Só lamento ver que a mídia brasileira profere uma liberdade inexistente, boicotada pela própria mídia. Essa não é a primeira vez, nem será a última, que os americanos produzem séries com abordagem tão primaz de temas tão cotidianos e tão polêmicos.
E à midia brasileira, vai a dica: deixem de transformar dramaturgia em bolso! Aprendam com os americanos (que por mais defeitos que tenham, possuem essa valiosa qualidade) a transformar bolso em dramaturgia.

---GLOSSÁRIO---
Fora do armário = assumidamente homossexual
Bichinha quá-quá = rapaz homossexual muito alegre e muito insosso
Pirocudo = homem com pênis muito grande
Pelamordedeus! = Pelo amor de Deus!
Bicharada = coletivo de homens homossexuais
Bofe = Homem, geralmente alvo de desejo.