28 de jan. de 2011

Tédio

        Eu tenho uma pequena dúvida. Existe tédio? Estou eu aqui, todo entediado, e não posso deixar de pensar que sou o único responsável por isso, no momento. Quer dizer, quando eu quizer, eu farei algo e o tédio irá embora. E me dá a impressão de que essa sensação de não haver nada pra fazer na verdade é só uma vontade de nada fazer. Aí eu penso que não pode haver tédio, pois, por definição, o tédio não pode ser voluntário.

18 de jan. de 2011

Crônicas de Vampiros - A Velha Guerra

        Eric e Vanessa estão na praça, namorando, quando ouvem um barulho.
ERIC:        Não é nada!
VANESSA:    Como você sabe, se não vai olhar?!
ERIC:        Deve ser um cachorro dormindo!
VANESSA:    Cachorro não dorme!
        Eric levanta do banco, irritado, e vai até a moita verificar. Ele certamente ia matar aquele cão! Era só gravar o cheiro pra caçá-lo durante a lua cheia. Revirando a moita, Eric espanta-se: apesar dos ganidos, não havia nenhum cão, mas sim um homem, nu, se retorcendo. Eric estica os braços para sacudir o sujeito.
ERIC:        Ei, moço! Acorda aí! Moço! Moço?
        O moço vôa no pescoço de Eric. Eric luta para livrar-se dos caninos em seu pescoço, mas quanto mais luta, mais fraco fica: vai perdendo o equilíbrio até desmaiar. O moço larga Eric no chão, fura o indicador direito com o dente e enfia-o na garganta de Eric. Depois, volta ao pescoço e lá permanece até que Eric perca toda a cor.
        Vanessa está paralisada de medo. Ela assiste ao ataque muda, imóvel e completamente surda. Não consegue nem pensar, tamanho é seu horror. O moço levanta e olha pra Vanessa. Seu coração dispara. Ela sabe que vai morrer, como o seu amante. Mas Eric começa a ganir e se debater no chão, o que a assusta. Ela pensa em correr, mas os movimentos de Eric a distraem. O moço sorri. Eric abre os olhos.
TALES:        [Sorrindo.] Bem vindo!
VANESSA:    Eric?!
ERIC:        O que aconteceu?
TALES:        Você está morto.
ERIC:        Morto?
VANESSA:    Como assim, morto?
TALES:        Estou te observando a algumas semanas. E você é perfeito pra ser meu pupilo.
ERIC:        Eu não quero ser seu pupilo.
TALES:        Você não tem escolha.
ERIC:        Eu não posso ser pupilo de um vampiro.
TALES:        E por quê não?
ERIC:        Eu já tenho um tutor.
VANESSA:    Vampiro?
TALES:        Dispense-o.
ERIC:        Eu não posso! [Senta-se] Você escolheu muito mal seu novo aluno.
TALES:        O que te faz pensar assim?
ERIC:        Eu sou um lobo, seu morcego idiota!
        Tales fica surpreso, mas não mais que Vanessa, que, além disso, fica horrorizada. Eric torna a notar a presença da namorada. Levanta-se e segue até onde ela se encontra.
ERIC:        Vanessa? Você está bem? Está tudo bem contigo? [Vanessa faz que sim.] Que bom!
        Eric abraça Vanessa e, instântaneamente, crava os dentes em seu pescoço. O sangue escorre pelas costas de Vanessa, como suor. Ela não se move. Depois de alguns minutos ela está tão gelada e dura que Eric supõe que ela está morta.
ERIC:        O que meu mestre vai dizer agora? Eu, um chupa-cabras!
TALES:        Ei! Mais respeito senhor Luppus Herectus!
ERIC:        Será que eu ainda sou lobo?
TALES:        Nunca ouvi falar de um lobo mordido antes. Isso só tornará as coisas mais interessantes!
ERIC:        Você tem uma visão muito estranha do que é interessante, morcego!
TALES:        Pare de usar esses nomes perjorativos! A partir de hoje, deves me chamar de MESTRE!
ERIC:        Eu já disse que tenho um MESTRE!
TALES:        Bom. Você é vampiro agora. Precisa ficar ao meu lado o tempo todo.
ERIC:        Vocês sangue-sugas não costumavam perguntar se a pessoa quer ou não tornar-se um de vocês?
TALES:        Nós VAMPIROS decidimos nos poupar do trabalho que dá limpar os estragos feitos por esse tipo de oferta.
ERIC:        Já dispensei a primeira lição, não foi?
TALES:        Sim. Vamos à segunda?
ERIC:        Cobrir os rastros? Eu faço isso desde os sete anos!
TALES:        Você é cachorro desde os sete anos?
ERIC:        Não. Mas aprendi mesmo assim. E como lobisomem é mais fácil! É só comer a vítima, queimar os ossos e jogar as cinzas em algum rio.
TALES:        Bom, você não é lobo agora. O que vai fazer?
ERIC:        Vou queimar ela inteira e jogar as cinzas num rio!
TALES:        Não há pessoas que sabem que ela estava contigo?
ERIC:        Ela saiu escondida de casa! Você acha mesmo que se alguém soubesse eu a teria matado aqui?!
TALES:        Você é mais divertido que pensei!
ERIC:        Minha primeira fome não foi nada divertida. [Pegando Vanessa do chão.] Venha. Me ajude a levá-la daqui.

        Eric não sabe explicar, mas sente falta de Vanessa. Ela era só uma das várias garotas do bairro que vivem na cola dele, mas, mesmo assim, tinha algo especial nela.
TALES:        Foi a primeira refeição! Ela substitui o sangue que você perde na transformação.
ERIC:        Quer dizer que é o sangue de Vanessa que está nas minhas veias agora?
TALES:        O sangue, os sentimentos, os pensamentos, ela está em você. E deve ter sido uma pessoa tremendamente narcisista, já que você sente tanta falta dela agora. Mas com o tempo essa confusão passa. Logo você se amará tanto que ficara insuportável!
ERIC:        Se eu soubesse, teria escolhido melhor uma primeira vítima.
TALES:        Pelo menos você se amará! Minha primeira foi uma freira muito amável e caridosa, que me ofereceu ajuda. Agora eu não faço mais nada por mim, mesmo que eu queira.
ERIC:        Que tédio!
TALES:        Nem me fale!
ERIC:        Bom, seu morcego, a conversa tá boa, mas eu tenho que ir pra casa agora.
TALES:        Você não pode!
ERIC:        Me impeça!
        Eric vai a pé pra casa. Tales o segue. Eric corre, pega atalhos, pula obstáculos, anda novamente, até chegar em casa. Ele coloca a chave, abre a porta, mas não consegue entrar. Tenta atravessar a porta várias vezes, mas sempre dá meia volta. Taler ri.
ERIC:        O que é isso?
TALES:        Eu disse. Você não pode voltar pra casa. Não é mais sua casa. É casa de mortais. Precisa ser convidado.
ERIC:        É só meu pai me convidar!
TALES:        Claro! "Pai, sou um vampiro. Me convide pra entrar!"
ERIC:        Já entendi! Já sei pra onde ir.
        Eric volta a caminhar, mas dessa vez ele entra na mata. Depois de alguns minutos, eles chegam a uma estrada estreita, mas dá pra passar um carro. Eles seguem a estrada até chegarem a uma porteira de madeira. Eric abre a porteira e vai até a casa do sítio.
SILVESTRE:    Já vou!
        Silvestre detesta ser acordado. As batidas insistentes na porta da frente só o irritam mais.
SILVESTRE:    Quem será, a essa hora da madrugada?
ERIC:        Sil! Sou eu! Abre logo!
SILVESTRE:    Mas nem é lua cheia ainda! Que diabos esse garoto quer? [Abre a porta.] Entra, vai!
        Eric entra. Silvestre nota o homem parado em sua varanda, bem em frente à porta.
SILVESTRE:    Quem é esse aí?
ERIC:        Você tem que convidá-lo também, senão ele não entra.
        Silvestre não acredita. O que esse garoto pensa, trazendo um morcego pra casa dele?! Será que ele quer morrer cedo?
SILVESTRE:    Eu não vou convidar um chupa-cabras pra entrar na minha casa!
ERIC:        Já convidou.
SILVESTRE:    Nunca convidei! Do que você está fa-
ERIC:        Eu sou um vampiro.
SILVESTRE:    Como... o quê!?
ERIC:        Por favor, Sil. Convide-o.
SILVESTRE:    De jeito nenhum! E que história é essa de ser morcego? [Eric mostra as presas.] Meu Deus do céu!
ERIC:        Sil, por favor!
SILVESTRE:    Eu não vou confiar nesse sujeito!
ERIC:        Você não precisa. Ele tem que me ajudar, e só vai me atrapalhar se lhe fizer algum mal.
TALES:        Você pensa rápido. Eu disse que fiz uma boa escolha!
SILVESTRE:    Mas, se você é morcego, então, como-?
TALES:        Isso descobriremos amanhã. Será noite de lua cheia, não é?
ERIC:        Vamos, Sil! Convide-o de uma vez!
SILVESTRE:    Tá bom! Entra! [Tales entra.] Mas eu não gosto nada de você, cara-pálida!
TALES:        Então nós empatamos, bola-de-pêlos!
        Sentados nos sofás da sala de estar, Eric explica a Silvestre o que aconteceu. Silvestre ficaria enojado se não fosse um lobo velho, que já viu de tudo.
SILVESTRE:    E agora? Eu não quero abrigar um sangue-suga na minha casa.
TALES:        Talvez você não tenha escolha.

        No dia seguinte, Eric acorda cedo e se prepara para ir à escola. Depois do banho e de trocar de roupa, usando o estoque que tem guardado pra ele, pros dias de lua cheia, ele desce as escadas e vai até a porta.
TALES:        Onde você pensa que está indo?
ERIC:        Pra escola! Eu tenho que continuar a levar uma vida normal, no que ela pode ser, ou vão desconfiar, não?
TALES:        Vampiros não podem expor-se ao sol ou viram cinzas, você não sabe disso?
ERIC:        Relaxa! Eu já fiz um test-drive!
TALES:        Um o quê?
ERIC:        Eu deixei meu dedo pegar sol por um minuto, e tudo que aconteceu foi que eu fiquei muito entediado.
TALES:        Um dedo?
ERIC:        Depois eu abri a janela e fique uns cinco minutos observando o brilho do sol sobre as árvores!
TALES:        Você ficou cinco minutos no sol?
ERIC:        Tem muito tempo que você não vê o sol, não é?
TALES:        Eu nem sei mais que cor tem!
ERIC:        Foi muito bonito! Pena que não possa ver.
TALES:        Você é realmente uma coisa muito especial!
ERIC:        Sou não é? Obrigado!
TALES:        Não agradeça ainda. Preciso conversar com o Silvestre mais tarde.
ERIC:        Você não vai sair daqui? Eu preciso ir pra escola!
TALES:        Claro! Me perdoe. Eu só fiquei um pouco fascinado.
        Tales sobe as escadas e entra no seu quarto de hóspede. Ele ouve Eric sair e sente uma vontade muito grande de chorar. Ele espera pela noite dentro do quarto. Lê um livro de cabeceira que há por lá, conta as frestas de madeira do chão, fas um pouco de ginástica... A noite chega. A porta se abre a Silvestre põe a cabeça pra dentro.
SILVESTRE:    Você já pode sair.
TALES:        Ótimos. Podemos conversar na sala?
SILVESTRE:    Devemos. Daqui a quatro horas eu perco controle sobre minha vontade.
        Tales e Silvestre descem para a sala. A mesa de centro tem algo que parece sangue, vinho e uma travessa de queijos.
SILVESTRE:    Espero que não se importe.Eu sempre faço uma degustação de queijos antes da transformação.
TALES:        Fique à vontade. Isso é mesmo sangue?
SILVESTRE:    De galinha. Servido?
TALES:        Claro. Mas vou misturar com um pouco do vinho, tudo bem? Sangue de animal só tem gosto quando misturado a outro tipo de alimento mortal.
SILVESTRE:    Vou buscar outro copo e a garrafa de vinho. [Sai.] Ele está trabalhando no roçado. [Volta.] Fez isso o dia inteiro! [Entrega o copo e o vinho a Tales.] Eu achei que vampiros não podias expor-se ao sol.
TALES:        Não podem.
SILVESTRE:    Isso significa que-
TALES:        Calma! Tudo a seu tempo. Agora, sobre a sua transformação.
        Silvestre explica a Tales o que fazer para manter-se seguro. Tales presta bastante atenção, pois conhece quase todas as histórias de ataques de lobos a morcegos. Elas ocorrem a centenas de séculos, desde que a guerra entre as duas raças começou, e os vampiros sempre levam a pior nelas. Após as explicações, Tales contou a Silvestre algumas das mais chocantes. Eric entra na casa.
ERIC:        Está na hora.
SILVESTRE:    Tem certeza que não que ir?
TALES:        Se o menino não se transformar, precisará de ajuda pra sair.
SILVESTRE:    Lembre-se do que lhe disse: No sótão, até amanhecer!
Vou me lembrar.
        Tales despede-se de Eric, sobe ao sótão e recolhe a escada.

        No dia seguinte, Silvestre acorda deitado em sua cama, ao lado de Eric, ambos nús. Já é dia, mas a lâmpada está acesa, pois Tales está no quarto, e não suporta a luz do sol. Eric levanta e espreguiça-se, sorrindo.
ERIC:        Bom dia povo!
        Eric bagunça ainda mais o cabelo de Silvestre, abraça Tales, e sai do quarto.
SILVESTRE:    O que aconteceu?
TALES:        Eric te levou até a cozinha, serviu uma porção de bifes, depois vocês subiram pro quarto e começaram a brincar. Nós ficamos aqui, a noite toda, até vocês adormecerem. Engraçado, vampiros não dormem.
SILVESTRE:    Nós? Você estava conosco?
TALES:        Sim. De alguma forma Eric o acalmou. Você parecia um cachorrinho depois que ele fez o que fez!
SILVESTRE:    E ele?
TALES:        Totalmente transformado. Ele pode ter usado um truque mental que nós vampiros podemos usar, mas eu ainda acho que ele só conversou contigo.
SILVESTRE    Ele conversou, como assim?
TALES:        Parecia conversa. Eu não entendo cachorrês, então não posso afirmar. Mas, pela cara dele, ele não esqueceu, e vai responder a todas as nossas perguntas quando chegar. Eu nunca fiquei tão perto de um lobisomem transformado antes.
SILVESTRE:    Eu não dei a pata, dei?
TALES:        Vocês divertiram-se. E foi fantástico! E ele não esteve fora de si em momento algum!
SILVESTRE:    Como você sabe?
TALES:        Eu sei! Eu vi.
SILVESTRE:    Isso é formidável! Se eu pudesse me lembrar...
TALES:        Você não precisa! Ele pode contar tudo, ou eu mesmo posso.
SILVESTRE:    Isso significa que ele é lobisomem e vampiro?
TALES:        Isso significa que talvez nossa guerra chege ao fim enfim!
        Tales e Silvestre encaram-se enquanto ouvem Eric arrumar-se pra ir à escola. Quando Eric grita "tchau povo" e fecha a porta da frente, Tales chora, e Silvestre sorri.

12 de jan. de 2011

Crônicas de Vampiros - Acidentes

        Nico é um detetive peculiar. Faz todo tipo de serviço investigativo, é freela da polícia federal e desvenda até adultérios. Mas sua especialidade não é algo muito comum.
        Quando tinha doze anos de idade, Nico presenciou uma cena absurda: assistiu um assassinato. (!!!) Aí você pergunta: o que é tão absurdo nisso? Até aqui nada, mas considerando que a vítima apareceu andando e inteiro no metrô, após ser dado como morto por um tiro na cabeça. Nico ficou assustado, mas ficou tão intrigado com o "evento" que decidiu seguir o sujeito. Logo ele estava pesquisando, estudando, investigando e infiltrando-se. E foi assim que Nico tornou-se um caçador de vampiros. Mas não um caçador comum, afinal, quem é que ganha a vida caçando monstros que ninguém sabe que existem? Os irmãos Winchester? Não, Nico caça vampiros para seres muito mais interessados no assunto. Claro, ninguém mais interessado que os próprios vampiros.
        Neste dia em especial, Nico estava terminando de examinar algumas fotos, de um possível homicídio duplo, para a polícia, quando um de seus clientes mais inusitados entra em seu escritório.
        Escuro é um vampiro albino, geralmente de aparência calorosa, mas hoje ele estava estranhamente frio.
ESCURO:        Foi um acidente.
NICO:        Você vive se metendo em acidentes.
ESCURO:        Dessa vez, não fui eu.
NICO:        E o que você está fazendo aqui então?
ESCURO:        Sempre que há um acidente, pensam em mim. Mas dessa vez é um erro grave. Eu sei que sou estabanado, mas não a esse ponto.
NICO:        Explique-se.
ESCURO:        Houve uma Transmutação.
NICO:        E onde está o acidente?
ESCURO:        Este é o acidente!
        Nico não entende a informação que acaba de receber. Será que isso é alguma piada de mau gosto, ou uma insinuação para Transmutá-lo?
NICO:        Escuro, como é que uma coisa dessas pode ser um acidente?
ESCURO:        É por isso que estou aqui. Você conhece os procedimentos, e nós temos a tecnologia. Precisa descobrir quem fez isso antes que me encontrem e arranquem minha cabeça!
NICO:        Desculpe, mas como vou saber quem Transmutou o Bebê?
ESCURO:        Quando encontrá-lo, traga-o até mim.
NICO:        Sendo o caso, então é melhor você vir comigo. Com sua cabeça a prêmio, o lugar mais seguro pra você é ao meu lado.
        Isso, de fato, era verdade. O código dos vampiros era claro, nada de resolver assuntos internos na presença de mortais. E, com todo o conhecimento do universo vampírico que Nico possui, nenhum vampiro ousaria arrastar Escuro de sua presença enquanto ele o estivesse protegendo.
NICO:        Temos um acordo?
        Após acertar os detalhes da investigação, Nico e Escuro foram até a cena do crime e coletaram duas amostras de sangue: Uma da primeira vítima e outra do Bebê. Agora só faltava distingüir quem era quem, pra isso, nada melhor que um bom trabalho de investigação.
        Nico e Escuro não tiveram muito trabalho para rastrear o Bêbe. Ele drenou todos os clientes e funcionários de um posto de gasolina próximo à cena do crime. Mas o mais curioso foi que quase todos os clientes drenados eram funcionários de uma empresa nas proximidades. Isso foi confirmada por um de seus colegas, que passava pelo local quando Nico e Escuro investigavam.
SÍLVIO:        Sim, todos eles. Provavelmente vieram comemorar a promoção do Isac. O desgraçado ficou com o meu cargo. Bem feito pra ele!
ESCURO:     Isso só reforça a coincidência, Nico. Foi muito azar deles, só isso.
NICO:         Bom, deve haver algo aqui pra nós. Talvez as câmeras possam ter gravado algo.
        Toca o tema do Batman. Escuro sempre teve muito bom humor. Ele atende o telefone, grune algumas coisas, e desliga.
ESCURO:        Isac não esteve aqui. Ele é uma das vítimas.
NICO:        Você tem certeza?
ESCURO:        Há mais rastros saindo daqui. Todos seguem a direção da casa da outra vítima. É um palpite mais seguro não é?
        Nico afirma com a cabeça.
ESCURO:        Além disso, o outro já tem um extenso histórico de agressões e confusões. Aposto que seria perfeitamente capaz da fazer esta lambança aqui, sem pestanejar.
NICO:        Talvez... Mas eu acho que alguém tão violente teria deixado sangue no chão.
        Nico e Escuro seguem pra próxima pista. Um carro bateu em um poste, e uma prostituta foi drenada até a morte. Há muito sangue no chão.
ESCURO:     Eu conheço ela. É Mercedes! Ela atende vampiros.
NICO:         Ela é masoquista?
ESCURO:        Sim. E das melhores.
        Nico ri. Ele não esperava que seu sarcasmo fosse confirmado. Enquanto anota a placa do carro acidentado, alguém aproxima-se.
TÍBIO:        Por que, Escuro, é sempre você?
ESCURO:        Não fui eu.
TÍBIO:        Cuidado, Nico. Vai acabar perdendo seus créditos com a comunidade vampírica, protegendo esse estabanado!
NICO:        Este estabanado é o principal motivo dos meus créditos com a comunidade. Darei a ele um voto de confiança.
        Nico entrega uma folha de papel a Escuro.
NICO:        Quero que você verifique pra mim. Poder ser do sujeito.
TÍBIO:        O Castelo não está nem um pouco satisfeito com você, sabia?
ESCURO:        Diga ao Castelo que eu não dou a mínima, se eles realmente acreditam que eu sou burro!
NICO:        E avisem a eles que Escuro não sai do meu lado enquanto eu não resolver esse caso.
TÍBIO:        Nesse caso, é melhor eu ir com vocês.
ARSENO:        Não seja ridículo, Tíbio.
        Arseno não sai das sombras, pois é um membro do mais alto escalão vampírico. Não pode mostrar-se a nenhum mortal. Mesmo conhecendo Nico.
ARSENO:        Você é muito burro pra isso. Nós registramos suas declarações, Nico. Vamos mandar alguém de confiança para acompanhá-lo em sua investigação. Apesar da sensação de desaforo, nós confiamos em seu julgamento. Você sempre faz as coisas da forma mais adequada.
        Nico toma o papel de Escuro e entrega-o a Arseno, na escuridão.
NICO:        Aproveita e verifica isso aqui pra mim.
ARSENO:        Certamente. Pode prosseguir com sua investigação. Nós o encontraremos, enquanto estiver com Escuro. VENHA TÍBIO!
        Tíbio segue para a escuridão, encarando Nico.
        Nico e Escuro chegam a um beco.
NICO:        Este beco aqui está com seu nome, Escuro.
ESCURO:        Há há há! Muito engraçado! Quer fazer seu trabalho, em lugar de gracinhas?
NICO:        Veja. Mais sangue.
CASTIEL:    O número que forneceste confere com a placa do carro de uma das vítimas.
NICO:        Faz algum mal vocês anunciarem-se antes de falar?
CASTIEL:    Desculpe-me. Sou da velha-guarda. Ainda não acostumei-me com os novos costumes.
NICO:        Pelo visto, nenhum de vocês! O nome do cara é Breno?
CASTIEL:    Sim.
NICO:        Se o palpite de Escuro estiver correto, é melhor irmos à casa dele.
CASTIEL:    Agora que somos dois, poderemos levá-lo mais rapidamente ao teu destino. E, a propósito: foi muito engraçado.
NICO:        O que foi engraçado?
CASTIEL:    A piada do beco. Já pensaste em ser humorista?
        Seguem os três até um casarão. Uma enorme mansão. Este é o lugar. Apesar de não haver sangue, nem corpos pelo chão, tudo está silencioso. Não há nenhum empregado. Nem jardineiros, nem porteiros, nem seguranças, ninguém. Tudo muito estranho para uma mansão desse porte.
NICO:        Bem, vamos entrar!
        Eles abrem os portões e entram.

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        Isac era um bom moço: sempre na linha, sendo gentil com todos ao seu redor, nunca levantou a voz pra viv'alma. Neste dia ele estava inspirado, tinha acabado de receber a melhor de todas as notícias: foi promovido a presidente da empresa de venda de cosméticos onde trabalhava. Após prestar, respeitosamente, todas as condolências a seu antigo chefe, cuja demissão resultou em sua promoção, Isac desceu a seu cubículo para recolher seus pertences. Não é comum um simples atendente de telemarketing subir tão repentinamente numa empresa, mas Isac já vinha fazendo o trabalho de seus superiores a meses, motivo pelo qual Sílvio foi dispensado da presidência. Agora ele poderia fazer todas as coisas que sempre fez, oficialmente. Muito contente com o próprio progresso, Isac fez serão, dispensando todas as horas extras, e até beneficiou os funcionários de sua empresa com horas extras inexistentes. Tudo valia pra comemorar.
        Combinou com os amigos de encontrarem-se no posto de gasolina da esquina, pra beber e assistí-los zoar com os motoristas que abastecem por lá. Ele próprio não cometeria o desaforo de zoar ninguém. Terminou o serviço e saiu, tão feliz que esqueceu de olhar para os dois lados da rua antes de atravessar...
        Felizmente, o motorista saiu, aparentemente, para socorrê-lo. Mas, infelizmente o motorista foi abordado por outra pessoa. Isac não entendia direito o que estava acontecendo, estava ficando fraco. Sentiu sangue respingando em seu rosto, ouviu um hurro violento; sua fraqueza já começava a dar-lhe sede: ele lambia os lábios na esperança de que um pouco do próprio suor o aliviasse. Houve uma briga. Outro hurro, dessa vez foi um de pavor. Isac também ficaria apavorado se não estivesse definhando. Não era justo que, no momento mais glorioso de sua vida, ele morresse. "Eu não posso morrer agora", ele pensou. Foi quando ele sentiu uma mordida, e mesmo nunca tendo sido mordido em sua vida, Isac sabia que esta era muito estranha. A fisgada das presas em sua jugular auxiliaram ainda mais drenagem de seu sangue, deixando-o cada vez mais fraco, mais inconsciente...
        E, de repente, Isac acorda. Mas não foi como acordar após o sono. Ele sentia-se mais forte, mais ágil, mais esperto, mais dono de si, corajoso. Nem mesmo a visão do demônio à sua frente o assustava. O vampiro parecia atônito com a possibilidade de sua nova vida, talvez afrontado, Isac não se importava mais. Tudo que importava agora era que ele acabara de renascer, e que tinha um mundo completamente novo para explorar, bem diante dos seus olhos.
        Ele retornou à sua sala. Tinha uma muda de roupas extras, sempre à disposição, para casos de emergência. Aquele parecia o caso. Ele não precisava olhar pra saber do sangue em sua roupa. O cheiro do próprio sangue parecia muito apetitoso para ele. Antes de colocar a roupa numa sacola, ele lambeu o sangue na camisa. Era imposível descrever a sensação. Era melhor que comer, melhor que beber, melhor que sexo, melhor que dormir. E ele precisava de mais. Queria explorar essa nova sensação.
        Quando Isac chegou ao posto de gasolina, seus colegas não puderam notar a diferença nele, pois ele já estava diferente. A promoção. Isac comemorou esse ponto a seu favor sendo o mais silencioso possível. Primeiro ele atacou os frentistas. Testou sua velocidade escondendo-os atrás de um carro estacionado, longe do campo de visão de seus amigos. Enquanto drenava-lhes o sangue, tomava muito cuidado para não desperdiçar nem uma gota. E quanto mais sangue ele drenava, mais poderosas eram suas habilidades.
        E ele quer mais. Ele ataca os funcionários e clientes da loja de conveniência. Em seguida ele torce os pescoços de todos os seus amigos. Quase todos. Ele amarra a Sandra a um poste, amordaçando-a com uma flanela suja.
ISAC:        Isto é para você assistir o fracassado que você rejeitou, no máximo de seu potencial, logo após alcançar a presidência. E pra você entender o quanto você é imbecil, antes da sua morte.
        Isac drena lentamente todos os seus amigos. A cada mordida, encara Sandra nos olhos. A cada amigo drenado, mostra um largo sorriso vermelho, de prazer, de êxtase. E quando acaba, desamarra Sandra, e a agarra pelos cabelos.
ISAC:        E agora, prostituta dos céus, você vai morrer fazendo exatamente o que eu sempre quis que você fizesse.
        Isac rasga a roup de Sandra, põe o pau pra fora e a obriga a chupá-lo. Ela tenta mordê-lo muitas vezes, mas não adianta, isso só aumenta o prazer de Isac. Ele a obriga a engolir seu pau várias vezes, goza várias vezes, até cansar da posição. Prensa-a de cara no poste e começa a currá-la. E a cada gemido de dor, cada choro de desespero, ele soca mais forte, e mais rápido. Ainda insatisfeito com o resultado de sua agressão sexual, ele a joga no chão, e enquanto lambe seus seios, mete frenéticamente em sua boceta, cada vez mais excitado com o pavor da amiga. E enquanto ela não gozar, ele não pára com a sujeira. É assim que ele se sente. Sujo. E ele gosta disso. Sandra para de chorar. Agora ela brilha. Ele sabia. Essa sonsa não poderia resistir muito tempo. E, enquanto ela goza, gemendo de prazer e dor, ele crava os dentes em seu pescoço, drenando-a até a morte, enquanto fode e goza nela.
        Isac admira sua obra, fica eufórico. Nunca em sua vida imaginou que fosse capaz de nada tão grandioso. Seu esforço para discrição não o abalou. Nem mesmo seu coito, sequer o fez suar. Ele precisava agradecer ao reponsável por seus novos poderes. E ele sabia como. Só precisava da placa do carro dele.

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        Quando saiu de casa, Breno foi direto pra zona. Aquela esposa de sexo mequetrefe que ele tinha em casa podia até ser bela, mas era uma freira na cama. E para um bom sexo, nada melhor que uma boa flor da zona. Mesmo arriscando mais uma briga com Lílian. Ele encerraria a discussão com bons socos, como sempre faziam. Às vezes parecia até que ela gostava de apanhar. Mas não o suficiente para Breno. Sua flor favorita, Mercedes, adorava todo tipo de tortura. Gozava fácil com joelhadas e puxões de cabelo. Sua única exigência era que não arrancasse nenhum fio de cabelo de sua cabeça.
MERCEDES:    Aparência ainda é muito importante na minha profissão. Eu posso maquiar hematomas, mas peruca qualquer cliente nota!
        Mercedes custava caro, mas valia seu preço. Diferente de Lílian, que nunca estava contente com seu comportamento, principalmente na cama. Às vezes ele tem a impressão que ela engravidou de própósito, só pra dar o golpe do baú. Mas ele sempre fez questão de deixar claro que, pra receber as recompensas desse golpe, ela também deveria pagar. Afinal, ele poderia muito bem tê-la obrigado a fazer um aborto, ele tem meios para isso. Mas o melhor partido da cidade precisa e merece ter uma bela esposa ao seu lado. E o primeiro preço do casamento foi a lua de mel em Las Vegas. Ele não a tocava, pois estava grávida, mas a distraía nas máquinas de caça-níquel e nas mesas de dados, enquanto se divertia com coristas no quarto. Numa dessas diversões ela apareceu, e ele decidiu escurraçá-la do quarto a pontapés.
        Ela também teve de abandonar a carreira de modelo, afinal Breno precisava de uma esposa em tempo integral. Mordomos e governantas podem ser ótimos para cuidar da casa, mas é a dona da casa quem deve tomar as decisões. E ela deveria batalhar muito pra manter a forma física, pois esse foi um dos dois únicos motivos de haver um casamento.
LÍLIAN:        Mas amor, gravidez engorda!
BRENO:        Sendo assim, eu contrato uma ama de leite e você passa fome até voltar à boa forma.
        Duro. Ele precisava ser duro. Não entenda mal, ele ama a esposa. Mas ele foi traído, enganado pela ganância dela, prendado com a falsidade de uma pistoleira. Também esfregou isso na cara dela quando saiu num jornal uma foto dele com uma vagabunda, em uma boite. Ele bateu tanto na mulher aquele dia que a babá teve de tirar a criança da sala. E ai dela se procurasse outro homem que não ele! Ele tinha muita gente na cola dela, de olho nela. Mulheres e gays, pra não correr nenhum risco. Todos testados e aprovados como tais. E se ela quisesse abandonar o hábito na cama, deveria ser com ele, seu marido, que a anos deseja essa libertação.
        Mercedes não estava. Ele esperou em vão. Sua sede hoje não poderia ser saciada por mais ninguém. Nenhuma das outras funcionárias da casa era competente pro serviço. Entrou no carro novamente mas não teve coragem de dar a partida. Ficou ruminando. Olhou pro porta CDs do carro e espantou-se com o rosto do Justin Bieber. Coisa do filho. Outro erro da maldita da esposa. Estragando seu filho. Transformando o garoto numa mariquinha. O único herdeiro de seu nome. Fez uma nota mental para quebrar o CD na cabeça do garoto e dar-lhe uma surra que ele jamais se esqueceria. O que ele já deveria estar afzendo a muito tempo com o menino. Homem tem que aprender a apanhar: não dá pra ganhar uma boa briga sem apanhar. Era isso! Homem apanha numa boa, era um que ele procuraria. Não exatamente um homem, mas aquelas bichas travestidas já devem estar tão acostumadas com as agressões físicas a que estão sujeitos em sua profissão...
        Ligou o carro e saiu. Não acreditou que a bichice do filho o tivesse inspirado e encontrar sexo de qualidade. Fez outra nota mental: aumentar seu contato com os gays. Será útil quando Mercedes não estiver disponível outra vez. Ele poderia começar seu plano dentro de sua empresa, contando vantagens para os sócios. "Comi uma bicha ontem", ele diria, "e foi genial." Essa é a vantagem de ser multimilionário: não existe diferença entre os erros cometidos, todos têm o mesmo Valor, e não há nada, nada mesmo, que o dinheiro não resolva. Principalmente neste país, onde corrupção é cultura. E esse cara que não olha pra onde anda?!
        Parou imediatamente o carro e correu para socorrê-lo. Ele sangrava muito, seria melhor não arriscar movê-lo.
BRENO:        Não morre, eu vou chamar ajuda.
LOUCO:        A ajuda já chegou.
BRENO:        Quem é você?
LOUCO:        A morte!
        Presas? Breno não acreditou. No meio de uma emergência, ele tinha que lidar com um louco! Sacou o canivete do bolso e, enquanto o louco avançava em sua direção, investiu um golpe no agressor. O corte que ele fez na jugular do infeliz espirrou muito sangue. Ele ficou sujo de sangue dos peitos à cabeça. Enquanto tentava desengasgar do sange em sua garganta, o louco hurrou de raiva. Breno não acreditava, aquele lunático não demonstrava o menor sinal de fraqueza. Olhou o sangue eu seu peito, largou o canivete e partiu pra cima do louco. Bateu naquele indivíduo como nunca havia batido em ninguém, mas acabou sendo dominado. Os olhos do homem que o agarrava brilhavam, de verdade, emanando luz. No pescoço não havia o menor sinal de corte. Quando teve sua cabeça forçada contra seu ombro esquerdo, sentiu, pela primeira vez em sua vida, medo. Sentindo a morte chegar, gritou, o maior hurro de sua vida, quase um choro...
        Acordou. Ele estava bem, no final. Sentou-se onde estava. Olhou pro corpo do atropelado. Pela quantidade de sangue no chão, ele já deveria estar morto. Olhou pro seu peito. Sua camisa estava seca. Sentiu um movimento ao seu lado. O morto estava de pé? Como? O morto sorria enquanto o encarava. Breno estava assustado. Assustado de verdade. Boquiaberto. Os olhos do defunto também brilhavam de verdade. Breno sentiu que estava diferente, mas não queria saber. Precisava ver sua família, ir pra casa. Agora que ele sabia que monstros existem, precisava mudar sua vida.
        Ele sente-se estranho. Uma sede incomum. As ruas estão vazia, então ele decidi ir mais rápido. No espelho retrovisor, ele vê algo estranho: o zumbi que ele atropelou, seguindo-o, sem carro, veloz o suficiente para ser distingüido no espelo. É a distração que precisava pra bater o carro. O air bag não o atrapalhou de sair do carro. Ele procurou a criatura que o seguia, mas não encontrou. Em vez disso, encontrou Mercedes, estranhamente contente ao vê-lo.
MERCEDES:    Eu não acredito! Isso é maravilhoso! Você também!
BRENO:        Mercedes? Eu o quê?
MERCEDES:    Ora! Não se faça de bobo! Você sabe!
BRENO:        Não, não sei. Me explique!
        Mercedes aproxima-se e abraça-o.
MERCEDES:    Essa eu faço por minha conta!
BRENO:        EU NÃO QUERO!
MERCEDES:    [Rindo.] Como assim, meu amor? VOcê sempre quer! E você adora me morder.
        Breno atira Mercedes ao chão, ainda incrédulo.
MERCEDES:    Isso! Esse é você! Sempre pronto pra uma aventura, sem culpa, sem escrúpulos! Você, meu amor, é um legítimo cafajeste!
        Tomado por uma raiva imensurável, Breno pula pra cima de Mercedes, mordendo seu pescoço. O sangue faz sua sede passar. Depois de toda a água que ele bebeu, logo o sangue? Ele não consegue parar. A sede é muita. E jorra muito sangue. Ele não consegue sugar tudo, mas não se importa. Ele vai beber tudo que puder. O sangue acaba. Ele sente-se muito melhor, mas não acredita no que acabou de fazer. Ele precisa fugir. Ele corre, corre o mais rápido que pode, e percebe que o mais rápido que pode é mais rápido que seu próprio carro. Ele pára, assustado.
        À sua esquerda há um beco escuro. Ele decide esconder-se, até entender o que se passa, decidir o que fazer. Ele não pode voltar pra casa assim. No beco, mendigos assustam-se com o sangue em sua roupa e atiram-lhe paus e pedras para expulsá-lo. E não sente a dor, mas a insistência dos mendigos o irrita. Ele começa a drenar um dos mendigos e os outros fogem imediatamente. Ele para de beber o sangue antes de acabar, mas o homem em seus braços já está morto. Agora é definitivo. Ele só tem um lugar pra ir.
        Quando ele chega em casa, sua esposa, aparentemente, está no meio de uma festa. Lílian está dançando com um rapaz muito jovem quando o vê. Ficaria histérica se não tivesse visto o sangue na roupa e no rosto do marido. Ele não tem coragem de aproximar-se mais, mas fica adimirando-a à distância, esperançoso que Lílian sinta a dor em seu olhar. Lílian usa uma desculpa para ausentar-se da festa por alguns instantes e leva-o até a ante-sala.
LÍLIAN:        O que aconteceu, Breno?
BRENO:        Eu não sei! Foi horrível, foi cruel... e eu- eu não sei explicar, Li. Eu não sei dizer- contar- eu...
LÍLIAN:        Que tal começar pelo começo?
BRENO:        Eu- eu atropelei um homem. Aí eu fui prestar socorro, mas apareceu um louco e me atacou. Ele me mordeu! Eu apaguei, e aí quando eu acordei o homem que eu atropelei levantou, e saiu andando, e tinha muito sangue, e tudo que eu conseguia pensar era em você, e no Lucas, em como eu preciso deixá-los em segurança, em-
        Breno olha no espelo. Seu rosto escurecido pelo sangue dá ainda mais destaque ao azul de seus olhos, brilhando, de verdade, e às presas em sua boca aberta de medo. Ele chora. Chora copiosamente. Sente-se castigado por ter sido tão cafageste a vida inteira, com todos os seus amigos e todas as pessoas que ama, com sua família, com seus empregados. Até mesmo o incompetente que ele demitiu da presidência na matriz de sua empresa. Castigo por todo o mal que ele fez.
BRENO:        Eu preciso ir embora!
LÍLIAN:        O quê? NÂO!
BRENO:        Li, eu tenho que ir embora! Eu matei duas pessoas, eu não posso ficar, tenho que desaparecer!
LÍLIAN:        Você não pode ir! Eu- eu não posso ficar sem você.
BRENO:        Mas deve. [Breno mostra o rosto a Lílian.] Eu sou perigoso.
        Lílian encara o novo rosto do marido, apavorada.
LÍLIAN:        Não importa! Eu não quero! Você é meu marido, eu o quero ao meu lado, sempre. Não importa como esteja, não importa o que faça, não importa o que você é, pois é o que eu amo! E eu o amo muito, Breno, demais pra o deixar partir!
        Lílian abraça Breno. Ele não consegue acreditar. Depois de tudo que fez, de tudo que passou, tudo que queria estava acontecendo. Agora ele sabe que sua doce Li não havia traído sua confiança, que o ama de verdade, e o quer estar ao seu lado. Seu filho poderia até mesmo ser de fato gay diante desta nova realidade, ele não se importa mais. O perfume de Lílian é doce. Abraçam-se. Tão doce quanto o sangue em seu rosto. Beijam-se. Ele precisa sentir o sabor desse perfume. Breno crava os dentes no ombro de Lílian, e imediatamente afasta-se dela. Ela aproxima-se dele, e abraça-o novamente.
LÍLIAN:        Eu não me importo, mesmo! E eu sei que você gosta. Só não tinha coragem de encarar. Mas, diante do que aconteceu, do que você se tornou, eu acho que esse deve ser meu menor temor agora.
        Breno não acredita nisso também. É mais que a realização de uma vontade, é a realização de um sonho. Ele agarra Lílian e beija-a, rasgando-lhe a roupa e começando o sexo em pleno chão. Enquanto beija o corpo da esposa, escuta seus os gemidos de prazer e crava os dentes em seu pescoço. Enquanto faz amor com a esposa, bebe seu sangue, bebe até gozar. Então ele para de beber e olha, muito contente, para Lílian. Sua felicidade desaba ao vê-la pálida no chão, imóvel, o olho sem piscar. Lílian morreu sorrindo. Seu ato final foi fazer as pazes com o marido. Transtornado, Breno levanta, deixa as calças caídas no chão e volta pra sala. Hurra bem alto, expulsa todos os convidados da casa, que saem assustados, e dispensa todos os empregados. Sobre pro seu quarto de se tranca no armário.

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        Nico e os dois vampiros entram na sala. Há móveis revirados e louça quebrada, mas fora isso, tudo parece limpo. Castiel encontra Lílian, na ante-sala.
CASTIEL:    Parece que estamos seguindo o rastro correto.
NICO:        Ele deve estar por aqui. Ele não tem pra onde ir.
ESCURO:        Tem uma pessoa chorando aqui.
CASTIEL:    Lá em cima.
        Breno mal consegue enxergar com as lágrimas em seu rosto. E a cada esforço para não hurrar, mais lágrimas sobem aos seus olhos. A fresta de luz do armário se expande e ele enxerga três vultos atrás das lágrimas, dois pontuados por brilos muito familiares.
BRENO:        [Hurrando.] NÃO! SAIAM DAQUI! ME DEIXEM EM PAZ, SEUS MONSTROS, ZUMBIS DOS INFERNOS!
NICO:        Sossega, criatura. Eles vieram ajudar.
ESCURO:        Sim. E eu preciso da sua ajuda!
        Ajuda. A palavra que ele esperou ouvir a noite inteira. Breno acama-se e enxuga os olhos. Olha no fundo dos olhos de Nico.
BRENO:        Minha mulher. Eu matei minha esposa. [Chora.] Eu não queria! E eu não quero que aconteça o mesmo com meu filho. Eu preciso mesmo de ajuda.
NICO:        Nós vamos ajudar. Mas precisamos que você identifique quem o Transmutou.
BRENO:        Quem o quê?
NICO:        Quem o transformou em vampiro.
ESCURO:        Ele não é muito esperto.
NICO:        Você acha que pode?
BRENO:        Claro que posso! O desgraçado me atacou enquanto eu tentava socorrer um cara que atropelei.
ESCURO:        Fui eu?
BRENO:        Se tivesse sido, você já estaria morto!
ESCURO:        É justo.
NICO:        É mais que justo. Agora você pode sair da minha cola, né?
ESCURO:        Ainda não. A gente tem que achar o sujeito primeiro.
NICO:        Escuta, depois daquele trabalho perfeito no posto de gasolina, como foi que você surtou assim?
BRENO:        Posto de gasolina? Eu fiz nada em posto de gasolina nenhum, por quê? Morreu alguém?
        Escuro e Castiel riem.
NICO:        Uma dúzia de pessoas.
CASTIEL:    Deve ter sido o Criador.
NICO:        Espere. Você disse que atropelou alguém?
BRENO:        Sim. Ele atravessou a rua sem olhar e-
NICO:        [Mostrando uma foto de Isac.] É esse o cara?
BRENO:        Sim, é ele! E o sonso ainda tentou me seguir depois!
NICO:        Outro Bebê.
ESCURO:        O Castelo vai precisar fazer uma cerimônia de desculpas pra mim.
CASTIEL:    Vai mesmo. Isso é muito constrangedor. Eu vou ligar pra Torre, informá-los que temos mais um Bebê acidental à solta.
ISAC:        Você é humano!
        Todos se voltam para Isac, surpresos.
NICO:        Você também já foi.
ISAC:        Deve ter muita coragem para andar entre vampiros.
NICO:        Eu sei me virar. O que você veio fazer aqui?
ISAC:        Eu não lhe devo satisfação-
CASTIEL:    Deves satisfação a quem o Castelo decidir.
ISAC:        Castelo?
ESCURO:        Você achou que ser vampiro á baderna?
BRENO:        E como não achar! Nós fomos abandonados, lembra?
ISAC:        Nós? Você me deixou ir!
BRENO:        Claro! Você levantou da cova feito um zumbi. Eu pensei que você estava morto!
ISAC:        Mas você me trasformou!
BRENO:        Eu? Eu não! Eu só te atropelei! E estou no mesmo barco que você. Completamente desorientado.
ISAC:        E eu que vim agradecer o meu criador...
CASTIEL:    Terás a oportunidade. Quando o encontrarmos. Tens computadores conectados à internet nessa casa?
        Breno leva todos ao escritório. Ele liga o computador e segue as instruções de Castiel.
ESCURO:        Vocês irão levá-los pro Castelo?
CASTIEL:    Sim. Lá eles receberão instrução adequada à situação deles.
ESCURO:        E o menino?
CASTIEL:    Fica com o Nico até o pai estar pronto.
NICO:        O quê?
CASTIEL:    É necessário. E ninguém melhor que tu pra ensinar sobre nós a um mortal.
ESCURO:        Ele está certo.
NICO:        Eu espero que vocês matem esse sujeito quando o encontrarem, ou essa será a minha primeira lição ao garoto!
BRENO:        Achei! É este aqui!
        Nico olha pra tela. Seu sangue ferve. Agora o caso era pessoal. Quer dizer que, além de fazer a besteira, ele ainda tentou armar uma armadilha pra se livrar? E pra se vingar dele?
NICO:        Não precisam se preocupar. Eu vou pegar o menino e ele vai matar esse safado por mim!
BRENO:        O quê?
NICO:        Ele aproveitou a situação pra tentar tirar o Escuro da minha cola! Eu já o poupei uma vez. Dessa vez, eu o verei MORRER! Qual o nome do seu filho?
BRENO:        Lucas, mas-
NICO:        [Berrando.]LUCAAAAAAAAAAAS! LUCAS, DESCE AQUI AGORA!
BRENO:         Mas o que você está fazendo?
ISAC:        E eu ainda não agradeci!
CASTIEL:    Não exaltem-se. Isac e Nico terão o que querem. Breno, vá com Nico, buscar seu filho. Escuro, vá com eles.
        Breno sai muito relutante, seguido por Nico e Escuro. Castiel saca um celular e liga para o Castelo. Aparentemente, o culpado havia fugido, mas não seria difícil encontrá-lo.
        Num beco largo, Tíbio se retorce na parede, à qual esta preso por correntes de prata. Nem ele acredita que caiu numa armadilha tão velha. Uma embosca. Um corredor com uma porta revestida de prata no final, e dois caçadores com correntes. Só não entendia por que deveria esperar ali. Isac chega. Tíbio sorri.
TÍBIO:        Eu achei que tinha sido o outro.
ISAC:        Também foi o outro! Você pisou na bola, feio!
TÍBIO:        Você veio me matar?
ISAC:        Eu vim agradecer. Você me deu uma nova vida. Lamento por sua situação. Espere! Não, não lamento. ELE É TODO SEU!
        Castiel, Escuro, Breno, Nico e Lucas saem das sombras. Lucas parece assustado, principalmente com o pai. Nico leva Lucas até Tíbio e entrega-lhe uma estaca.
TÍBIO:        Você de novo! Sempre você! Eu não sei o que o Castelo viu em você!
NICO:        Inteligência! Diferente do que eles viram em você. Muitos músculos, muita audácia... Mas muita burrice também. Mas sua jornada acaba aqui! Faça, Lucas.
LUCAS:        Eu não quero.
NICO:        Você precisa. Faça por seu pai.
LUCAS:        Ele também não quer. Eu não quero que ele se zangue comigo. Ainda mais agora!
        Breno aproxima-se do filho, sereno, ajoelha-se diante dele e olha em seus olhos.
BRENO:        Meu filho. Não importa o que você faça, não importa o que você é: eu sempre o amarei, independente das suas escolhas. Mesmo que você escolha gostar de Justin Bieber.
        Breno dá um beijo na testa do filho e levanta. Lucas sorri.
LUCAS:        Eu quero. Eu vou fazer isso.
        Lucas se aproxima de Tíbio. Ele encara o vampiro e, sem desviar os olhos dos olhos de sua presa, Lucas enfia a estaca no coração de Tíbio. Aos poucos, Tíbio vai virando pó, até que somente seu coração resta, imóvel sobre as cinzas, atravessado pela estaca de madeira.