18 de jan. de 2011

Crônicas de Vampiros - A Velha Guerra

        Eric e Vanessa estão na praça, namorando, quando ouvem um barulho.
ERIC:        Não é nada!
VANESSA:    Como você sabe, se não vai olhar?!
ERIC:        Deve ser um cachorro dormindo!
VANESSA:    Cachorro não dorme!
        Eric levanta do banco, irritado, e vai até a moita verificar. Ele certamente ia matar aquele cão! Era só gravar o cheiro pra caçá-lo durante a lua cheia. Revirando a moita, Eric espanta-se: apesar dos ganidos, não havia nenhum cão, mas sim um homem, nu, se retorcendo. Eric estica os braços para sacudir o sujeito.
ERIC:        Ei, moço! Acorda aí! Moço! Moço?
        O moço vôa no pescoço de Eric. Eric luta para livrar-se dos caninos em seu pescoço, mas quanto mais luta, mais fraco fica: vai perdendo o equilíbrio até desmaiar. O moço larga Eric no chão, fura o indicador direito com o dente e enfia-o na garganta de Eric. Depois, volta ao pescoço e lá permanece até que Eric perca toda a cor.
        Vanessa está paralisada de medo. Ela assiste ao ataque muda, imóvel e completamente surda. Não consegue nem pensar, tamanho é seu horror. O moço levanta e olha pra Vanessa. Seu coração dispara. Ela sabe que vai morrer, como o seu amante. Mas Eric começa a ganir e se debater no chão, o que a assusta. Ela pensa em correr, mas os movimentos de Eric a distraem. O moço sorri. Eric abre os olhos.
TALES:        [Sorrindo.] Bem vindo!
VANESSA:    Eric?!
ERIC:        O que aconteceu?
TALES:        Você está morto.
ERIC:        Morto?
VANESSA:    Como assim, morto?
TALES:        Estou te observando a algumas semanas. E você é perfeito pra ser meu pupilo.
ERIC:        Eu não quero ser seu pupilo.
TALES:        Você não tem escolha.
ERIC:        Eu não posso ser pupilo de um vampiro.
TALES:        E por quê não?
ERIC:        Eu já tenho um tutor.
VANESSA:    Vampiro?
TALES:        Dispense-o.
ERIC:        Eu não posso! [Senta-se] Você escolheu muito mal seu novo aluno.
TALES:        O que te faz pensar assim?
ERIC:        Eu sou um lobo, seu morcego idiota!
        Tales fica surpreso, mas não mais que Vanessa, que, além disso, fica horrorizada. Eric torna a notar a presença da namorada. Levanta-se e segue até onde ela se encontra.
ERIC:        Vanessa? Você está bem? Está tudo bem contigo? [Vanessa faz que sim.] Que bom!
        Eric abraça Vanessa e, instântaneamente, crava os dentes em seu pescoço. O sangue escorre pelas costas de Vanessa, como suor. Ela não se move. Depois de alguns minutos ela está tão gelada e dura que Eric supõe que ela está morta.
ERIC:        O que meu mestre vai dizer agora? Eu, um chupa-cabras!
TALES:        Ei! Mais respeito senhor Luppus Herectus!
ERIC:        Será que eu ainda sou lobo?
TALES:        Nunca ouvi falar de um lobo mordido antes. Isso só tornará as coisas mais interessantes!
ERIC:        Você tem uma visão muito estranha do que é interessante, morcego!
TALES:        Pare de usar esses nomes perjorativos! A partir de hoje, deves me chamar de MESTRE!
ERIC:        Eu já disse que tenho um MESTRE!
TALES:        Bom. Você é vampiro agora. Precisa ficar ao meu lado o tempo todo.
ERIC:        Vocês sangue-sugas não costumavam perguntar se a pessoa quer ou não tornar-se um de vocês?
TALES:        Nós VAMPIROS decidimos nos poupar do trabalho que dá limpar os estragos feitos por esse tipo de oferta.
ERIC:        Já dispensei a primeira lição, não foi?
TALES:        Sim. Vamos à segunda?
ERIC:        Cobrir os rastros? Eu faço isso desde os sete anos!
TALES:        Você é cachorro desde os sete anos?
ERIC:        Não. Mas aprendi mesmo assim. E como lobisomem é mais fácil! É só comer a vítima, queimar os ossos e jogar as cinzas em algum rio.
TALES:        Bom, você não é lobo agora. O que vai fazer?
ERIC:        Vou queimar ela inteira e jogar as cinzas num rio!
TALES:        Não há pessoas que sabem que ela estava contigo?
ERIC:        Ela saiu escondida de casa! Você acha mesmo que se alguém soubesse eu a teria matado aqui?!
TALES:        Você é mais divertido que pensei!
ERIC:        Minha primeira fome não foi nada divertida. [Pegando Vanessa do chão.] Venha. Me ajude a levá-la daqui.

        Eric não sabe explicar, mas sente falta de Vanessa. Ela era só uma das várias garotas do bairro que vivem na cola dele, mas, mesmo assim, tinha algo especial nela.
TALES:        Foi a primeira refeição! Ela substitui o sangue que você perde na transformação.
ERIC:        Quer dizer que é o sangue de Vanessa que está nas minhas veias agora?
TALES:        O sangue, os sentimentos, os pensamentos, ela está em você. E deve ter sido uma pessoa tremendamente narcisista, já que você sente tanta falta dela agora. Mas com o tempo essa confusão passa. Logo você se amará tanto que ficara insuportável!
ERIC:        Se eu soubesse, teria escolhido melhor uma primeira vítima.
TALES:        Pelo menos você se amará! Minha primeira foi uma freira muito amável e caridosa, que me ofereceu ajuda. Agora eu não faço mais nada por mim, mesmo que eu queira.
ERIC:        Que tédio!
TALES:        Nem me fale!
ERIC:        Bom, seu morcego, a conversa tá boa, mas eu tenho que ir pra casa agora.
TALES:        Você não pode!
ERIC:        Me impeça!
        Eric vai a pé pra casa. Tales o segue. Eric corre, pega atalhos, pula obstáculos, anda novamente, até chegar em casa. Ele coloca a chave, abre a porta, mas não consegue entrar. Tenta atravessar a porta várias vezes, mas sempre dá meia volta. Taler ri.
ERIC:        O que é isso?
TALES:        Eu disse. Você não pode voltar pra casa. Não é mais sua casa. É casa de mortais. Precisa ser convidado.
ERIC:        É só meu pai me convidar!
TALES:        Claro! "Pai, sou um vampiro. Me convide pra entrar!"
ERIC:        Já entendi! Já sei pra onde ir.
        Eric volta a caminhar, mas dessa vez ele entra na mata. Depois de alguns minutos, eles chegam a uma estrada estreita, mas dá pra passar um carro. Eles seguem a estrada até chegarem a uma porteira de madeira. Eric abre a porteira e vai até a casa do sítio.
SILVESTRE:    Já vou!
        Silvestre detesta ser acordado. As batidas insistentes na porta da frente só o irritam mais.
SILVESTRE:    Quem será, a essa hora da madrugada?
ERIC:        Sil! Sou eu! Abre logo!
SILVESTRE:    Mas nem é lua cheia ainda! Que diabos esse garoto quer? [Abre a porta.] Entra, vai!
        Eric entra. Silvestre nota o homem parado em sua varanda, bem em frente à porta.
SILVESTRE:    Quem é esse aí?
ERIC:        Você tem que convidá-lo também, senão ele não entra.
        Silvestre não acredita. O que esse garoto pensa, trazendo um morcego pra casa dele?! Será que ele quer morrer cedo?
SILVESTRE:    Eu não vou convidar um chupa-cabras pra entrar na minha casa!
ERIC:        Já convidou.
SILVESTRE:    Nunca convidei! Do que você está fa-
ERIC:        Eu sou um vampiro.
SILVESTRE:    Como... o quê!?
ERIC:        Por favor, Sil. Convide-o.
SILVESTRE:    De jeito nenhum! E que história é essa de ser morcego? [Eric mostra as presas.] Meu Deus do céu!
ERIC:        Sil, por favor!
SILVESTRE:    Eu não vou confiar nesse sujeito!
ERIC:        Você não precisa. Ele tem que me ajudar, e só vai me atrapalhar se lhe fizer algum mal.
TALES:        Você pensa rápido. Eu disse que fiz uma boa escolha!
SILVESTRE:    Mas, se você é morcego, então, como-?
TALES:        Isso descobriremos amanhã. Será noite de lua cheia, não é?
ERIC:        Vamos, Sil! Convide-o de uma vez!
SILVESTRE:    Tá bom! Entra! [Tales entra.] Mas eu não gosto nada de você, cara-pálida!
TALES:        Então nós empatamos, bola-de-pêlos!
        Sentados nos sofás da sala de estar, Eric explica a Silvestre o que aconteceu. Silvestre ficaria enojado se não fosse um lobo velho, que já viu de tudo.
SILVESTRE:    E agora? Eu não quero abrigar um sangue-suga na minha casa.
TALES:        Talvez você não tenha escolha.

        No dia seguinte, Eric acorda cedo e se prepara para ir à escola. Depois do banho e de trocar de roupa, usando o estoque que tem guardado pra ele, pros dias de lua cheia, ele desce as escadas e vai até a porta.
TALES:        Onde você pensa que está indo?
ERIC:        Pra escola! Eu tenho que continuar a levar uma vida normal, no que ela pode ser, ou vão desconfiar, não?
TALES:        Vampiros não podem expor-se ao sol ou viram cinzas, você não sabe disso?
ERIC:        Relaxa! Eu já fiz um test-drive!
TALES:        Um o quê?
ERIC:        Eu deixei meu dedo pegar sol por um minuto, e tudo que aconteceu foi que eu fiquei muito entediado.
TALES:        Um dedo?
ERIC:        Depois eu abri a janela e fique uns cinco minutos observando o brilho do sol sobre as árvores!
TALES:        Você ficou cinco minutos no sol?
ERIC:        Tem muito tempo que você não vê o sol, não é?
TALES:        Eu nem sei mais que cor tem!
ERIC:        Foi muito bonito! Pena que não possa ver.
TALES:        Você é realmente uma coisa muito especial!
ERIC:        Sou não é? Obrigado!
TALES:        Não agradeça ainda. Preciso conversar com o Silvestre mais tarde.
ERIC:        Você não vai sair daqui? Eu preciso ir pra escola!
TALES:        Claro! Me perdoe. Eu só fiquei um pouco fascinado.
        Tales sobe as escadas e entra no seu quarto de hóspede. Ele ouve Eric sair e sente uma vontade muito grande de chorar. Ele espera pela noite dentro do quarto. Lê um livro de cabeceira que há por lá, conta as frestas de madeira do chão, fas um pouco de ginástica... A noite chega. A porta se abre a Silvestre põe a cabeça pra dentro.
SILVESTRE:    Você já pode sair.
TALES:        Ótimos. Podemos conversar na sala?
SILVESTRE:    Devemos. Daqui a quatro horas eu perco controle sobre minha vontade.
        Tales e Silvestre descem para a sala. A mesa de centro tem algo que parece sangue, vinho e uma travessa de queijos.
SILVESTRE:    Espero que não se importe.Eu sempre faço uma degustação de queijos antes da transformação.
TALES:        Fique à vontade. Isso é mesmo sangue?
SILVESTRE:    De galinha. Servido?
TALES:        Claro. Mas vou misturar com um pouco do vinho, tudo bem? Sangue de animal só tem gosto quando misturado a outro tipo de alimento mortal.
SILVESTRE:    Vou buscar outro copo e a garrafa de vinho. [Sai.] Ele está trabalhando no roçado. [Volta.] Fez isso o dia inteiro! [Entrega o copo e o vinho a Tales.] Eu achei que vampiros não podias expor-se ao sol.
TALES:        Não podem.
SILVESTRE:    Isso significa que-
TALES:        Calma! Tudo a seu tempo. Agora, sobre a sua transformação.
        Silvestre explica a Tales o que fazer para manter-se seguro. Tales presta bastante atenção, pois conhece quase todas as histórias de ataques de lobos a morcegos. Elas ocorrem a centenas de séculos, desde que a guerra entre as duas raças começou, e os vampiros sempre levam a pior nelas. Após as explicações, Tales contou a Silvestre algumas das mais chocantes. Eric entra na casa.
ERIC:        Está na hora.
SILVESTRE:    Tem certeza que não que ir?
TALES:        Se o menino não se transformar, precisará de ajuda pra sair.
SILVESTRE:    Lembre-se do que lhe disse: No sótão, até amanhecer!
Vou me lembrar.
        Tales despede-se de Eric, sobe ao sótão e recolhe a escada.

        No dia seguinte, Silvestre acorda deitado em sua cama, ao lado de Eric, ambos nús. Já é dia, mas a lâmpada está acesa, pois Tales está no quarto, e não suporta a luz do sol. Eric levanta e espreguiça-se, sorrindo.
ERIC:        Bom dia povo!
        Eric bagunça ainda mais o cabelo de Silvestre, abraça Tales, e sai do quarto.
SILVESTRE:    O que aconteceu?
TALES:        Eric te levou até a cozinha, serviu uma porção de bifes, depois vocês subiram pro quarto e começaram a brincar. Nós ficamos aqui, a noite toda, até vocês adormecerem. Engraçado, vampiros não dormem.
SILVESTRE:    Nós? Você estava conosco?
TALES:        Sim. De alguma forma Eric o acalmou. Você parecia um cachorrinho depois que ele fez o que fez!
SILVESTRE:    E ele?
TALES:        Totalmente transformado. Ele pode ter usado um truque mental que nós vampiros podemos usar, mas eu ainda acho que ele só conversou contigo.
SILVESTRE    Ele conversou, como assim?
TALES:        Parecia conversa. Eu não entendo cachorrês, então não posso afirmar. Mas, pela cara dele, ele não esqueceu, e vai responder a todas as nossas perguntas quando chegar. Eu nunca fiquei tão perto de um lobisomem transformado antes.
SILVESTRE:    Eu não dei a pata, dei?
TALES:        Vocês divertiram-se. E foi fantástico! E ele não esteve fora de si em momento algum!
SILVESTRE:    Como você sabe?
TALES:        Eu sei! Eu vi.
SILVESTRE:    Isso é formidável! Se eu pudesse me lembrar...
TALES:        Você não precisa! Ele pode contar tudo, ou eu mesmo posso.
SILVESTRE:    Isso significa que ele é lobisomem e vampiro?
TALES:        Isso significa que talvez nossa guerra chege ao fim enfim!
        Tales e Silvestre encaram-se enquanto ouvem Eric arrumar-se pra ir à escola. Quando Eric grita "tchau povo" e fecha a porta da frente, Tales chora, e Silvestre sorri.

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