24 de out. de 2010

O Minotauro (Guerra)


[Cnossos: jardim do mar. Oito anos depois, manhã ensolarada. Numa ponta da planície do jardim, Catreu, Deucalião e Euriges, nus, alinhados lado-a-lado, e Ariane, segurando as roupas deles, na outra ponta da planície.]

ARIANE:

[gritando] Eeeeeeeeeeeeeeeee, VAI!


[Os três irmãos começam a correr em direção a Ariane. Do outro lado, Ariani sorri, admirada.]

EURIGES:

[Atrás dos dois irmãos.] Prontos pra humilhação?

DEUCALIÃO:

[À frente dos irmãos.] Há! Vai sonhando!


[Euriges ultrapassa Catreu, que acelera para alcançá-lo.]

CATREU:

É melhor você guardar energia!

EURIGES:

[Ultrapassando Deucalião.] Mas eu estou guardando!

DEUCALIÃO:

[Sendo ultrapassado por Catreu.] Eu queria saber como vocês conseguem!

CATREU:

[Alcançando Euriges.] A gente já te ensinou isso trocentas vezes, Deucalião!

EURIGES:

[Sendo ultrapassado por Catreu.] Volta pros seus pergaminhos, meu filho!

DEUCALIÃO:

[Alcançando Euriges.] O que você disse?


[Euriges acelera mais, ultrapassa Catreu e toca a cabeça de Ariane. Catreu toca logo depois dele, seguido por Deucalião, alguns segundos depois.]

ARIANE:

[Estendendo as roupas para os irmãos.] Você vai lá ver o que o papai quer?

EURIGES:

Não custa nada. A gente quase não se vê, talvez seja até bom.

CATREU:

[Pegando a roupa com Ariane.] No mínimo o rei de creta quer falar contigo, o que já é muito difícil.

DEUCALIÃO:

[Se vestindo.] Eu já disse pra você não esperar dele mais que uma tarefa. Foi só o que o coitado do Asterião conseguiu! [Catreu e Euriges olham assustados para ele.]

ARIANE:

Quem é Asterião? [Euriges abre a boca para explicar a Ariane, mas não consegue fazer mais que abrir a boca.]

CATREU:

[aliviado] Como você conseguiu?

DEUCALIÃO:

[Sorrindo maliciosamente.] E vocês que me diziam que meus pergaminhos não serviam pra nada.

EURIGES:

Mamãe vai ficar uma arara.

DEUCALIÃO:

Não, se ela não souber.

CATREU:

Me ensina?

DEUCALIÃO:

Vá procurar você um jeito de reverter isso.

ARIANE:

Reverter o quê?

DEUCALIÃO:

Eu procurei, e encontrei. E também achei mais coisas úteis.

EURIGES:

Ou talvez você só tenha puxado à mamãe.

CATREU:

Não fala besteira, Euriges.

ARIANE:

[Desesperada por um pouco de atenção.] Do que vocês estão falando?

CATREU:

[Para Deucalião.] Fala pra ela.

DEUCALIÃO:

Eu não! [Para Ariane.] E você, Ariane. Se papai souber que a gente estava tendo essa conversa, ele mata a gente, então ninguém pode saber.

ARIANE:

[desapontada] Tá bom!




[Cnossos: sala do trono. Manhã ensolarada. Sala vazia, Euriges entra.]

EURIGES:

Pai? Pai? Você está aí?

MINOS:

[Da câmara.] Me espera aí fora, que eu já estou terminando aqui! [Euriges senta no tanque, observando o trono. Depois de alguns segundos, sai da câmara e Euriges dá um salto para ficar de pé.] Egeu convidou Creta para participar dos jogos panatenienses. Você quer participar?

EURIGES:

[surpreso] Mas... eu... o quê?

MINOS:

[sorrindo] Descupa. [Sentando no tanque.] Sente-se aqui comigo. Eu explico.

EURIGES:

[Sentando ao lado de Minos, surpreso.] Quando você foi convidado?

MINOS:

Recebi o convite ontem. Perguntei a algumas pessoas que passaram por mim e todas elas me falaram sobre suas maravilhosas habilidades esportivas. E agora eu estou aqui, ao seu lado, perguntando se você quer representar Creta nos jogos de Atenas.

EURIGES:

[surpreso] E você quer que eu participe?

MINOS:

Claro! Por que você acha que estou te convidando? Quer participar?

EURIGES:

[Surpreso, radiante.] Quando vai ser?

MINOS:

Em uma semana você parte. Pode escolher quem você quiser para ir contigo. Não quero que você fique sozinho em Atenas.

EURIGES:

[radiante] Eu posso levar o Catreu e o Deucalião?

MINOS:

Quem você quiser!

EURIGES:

[Saindo, correndo.] Eu vou contar agora mesmo pro Catreu!




[Cnossos: jardim do minotauro. Tarde. Ariane brincando nos brinquedos, sozinha. Entra um menino, procurando por Ariane.]

MENINO:

Ariane, você é doida, é?

ARIANE:

Não, não sou. Por que você tá me perguntando isso?

MENINO:

Você não sabe que a Morte ronda esse lugar? [Aponta para o labirinto.]

ARIANE:

Vocês são muito bobos!

MENINO:

Mas eu já vi, Ariane. Eu vi a Morte lá em cima-

ARIANE:

-flutuando numa capa negra, o rosto coberto pelo capuz, blá, blá, blá! Eu conheço essa história, e não dou a mínima!

MENINO:

Pois devia. Quando a Morte te pegar, não vem falar depois que eu não avisei, viu!

ARIANE:

Primeiro que se a Morte me levar, eu não vou poder voltar pra dizer nada né, ô burrão! Segundo que ele não flutua. Acontece que ele tem pés muito finos, por isso ninguém vê!

MENINO:

Ele?

ARIANE:

É. Essa Morte que vocês vivem falando é um moço muito gentil que conversa comigo de vez em quando.

MENINO:

[assustado] Você conversa com a Morte?

ARIANE:

Mas que saco! Eu já disse que não é a Morte! Ele tava aqui comigo ainda agora.

MENINO:

[assustado] A-agora? Quem é esse moço?

ARIANE:

Não sei... Mas ele conhece o papai, a mamãe, o Catreu, o Deucalião e o Euriges.

MENINO:

Ariane, todo mundo em Creta conhece eles!

ARIANE:

Não é assim. Ele conhece mesmo. Sabe cada detalhe...

MENINO:

Você não devia continuar conversando com esse estranho.

ARIANE:

Você é muito medroso!

MENINO:

[aborrecido] As meninas tão te chamando. Tchau! [sai]

ARIANE:

Hunf! Além de medroso, ainda é grosso!




[Cnossos: quarto do rei de Creta. Noite. Pasífae e Minos, conversando, deitados na cama.]

PASÍFAE:

E ele aceitou ir pra lá assim? Na maior boa vontade?

MINOS:

Não. Eu tive que explicar tudo pra ele. Ele levou um baita susto quando eu perguntei a primeira vez!

PASÍFAE:

Bom. Pelo menos ele se distrai...

MINOS:

Ele vai ver como são os jogos fora de Creta. Quem sabe ele não traz alguma novidade?

PASÍFAE:

E enquanto isso, eu fico aqui sem os meus filhos, não é?

MINOS:

Você sobrevive sem eles.

PASÍFAE:

[levantando] Vou na cozinha. O café da manhã amanhã tem que ser especial. [sai]


[pausa]

ASTERIÃO:

[De repente, do nada.] Não deixe ele ir.

MINOS:

E o qual é o problema de ele ir?

ASTERIÃO:

Ele só vai pra que você dê alguma atenção a ele.

MINOS:

Ele não é como você não, Asterião.

ASTERIÃO:

"Claro! Já é tão difícil ter a atenção dele. E eu vou voltar com os louros de todas as competições que é pra ele continuar me dando atenção!"

MINOS:

Ele disse isso?

ASTERIÃO:

Foi isso que ele me disse.

MINOS:

[pensativo] Ele me pareceu tão animado.

ASTERIÃO:

Isso vai acabar mal. Ele não vai pra lá pra competir.

MINOS:

Ele está feliz com a tarefa, Asterião. Por que você iria acabar com isso?

ASTERIÃO:

Não é com a tarefa que ele está feliz!

MINOS:

Garoto, volta pro seu labirinto e deixa a gente em paz!

PASÍFAE:

[entrando] Meu filho? É você quem está aí?

ASTERIÃO:

Já estou de saída, mãe.

MINOS:

E vê se para de passear tanto! O povo já está dizendo que a morte está à espreita no palácio!

PASÍFAE:

Não seja desagradável, Minos!

ASTERIÃO:

A senhora está bem, mãe?

PASÍFAE:

Enquanto eu tiver os meus filhos, estarei sempre bem.

ASTERIÃO:

E como vocês dois estão se dando?

MINOS:

Você sabia que sua mãe me enfeitiçou?

ASTERIÃO:

[casualmente] Eu achei que ela iria fazer algo assim...

MINOS:

Antes de você nascer?

ASTERIÃO:

[Aparecendo na janela.] Como é que é?

MINOS:

A única mulher do mundo que eu posso levar pra cama é a minha rainha. Obra dela!

PASÍFAE:

Mas você está se virando muito bem sem a sua rainha, não está?

ASTERIÃO:

Foi isso que você fez com o Catreu?

PASÍFAE:

Foi.

MINOS:

Só esqueceu de avisar o garoto! Quando as cobras saíram do corpo dele ficou desesperado!

PASÍFAE:

Ele é um tonto. Minos já provou que existem várias outras formas de se divertir, não é, [sarcástico] meu amor?!

MINOS:

Não enche meu saco. E você, garoto, não estava de saída?

ASTERIÃO:

Sim. Eu só aproveitei que estava na hora de dar boa noite à Ariane-

MINOS:

Você vai dar boa noite à-

ASTERIÃO:

Já dei! E dou todas as noites! Ela é minha irmã, sabia?

PASÍFAE:

Não seja malcriado, meu filho. Eu quero dormir em paz hoje.

ASTERIÃO:

Ah, desculpe. Você não sabe nem que ela é sua filha, não é?

PASÍFAE:

[saindo] Tchau pra vocês, eu vou dormir com a Ariane.

MINOS:

Eu achei que você ia me deixar em paz com seu labirinto!

ASTERIÃO:

E estou ótimo por lá! Sem você por perto!

MINOS:

[levantando] Eu vou dar uma volta. [saindo] Fique aí, falando sozinho. [sai]

ASTERIÃO:

[gritando] Isso mesmo! Continue fugindo dos problemas da família! Bem que minha vó me disse!

MINOS:

[entrando] Pelo menos agora eu sei quem enfiou essas caraminholas na sua cabeça.

ASTERIÃO:

Você foge e quem tem que tomar conta dos pepinos que ficam sou eu!

MINOS:

Você até parece minha mãe falando.

ASTERIÃO:

E isso faz alguma diferença? [Encara Minos por alguns segundos.] Eu vou embora. Boa noite. [sai]




[Labirinto: quarto de Asterião. Hades, sentado numa cadeira. À frente dele, uma mesa com um tabuleiro de jogo, pronto para ser iniciado. Entra Asterião, chateado.]

HADES:

Pelo visto não foi a pequena Ariane quem demorou pra dormir.

ASTERIÃO:

Ele vai mandar o Euriges pra Atenas.

HADES:

E o menino não quer ir?

ASTERIÃO:

Me disse que vai por causa dele.

HADES:

Asterião, ao menos pronuncie o nome de Minos. Eu fico confuso quando você diz ele.

ASTERIÃO:

Só de lembrar que eu chamava aquele traste de pai.

HADES:

Tente relaxar, garoto. Qual é o problema do menino ir a Atenas?

ASTERIÃO:

ELE VAI GANHAR TODOS OS JOGOS!

HADES:

Ué, e isso é ruim?

ASTERIÃO:

Ninguém vai querer disputar com ele novamente.

HADES:

Mas vão aparecer desafios para ele.

ASTERIÃO:

O que ainda é pior! Euriges não está preparado para enfrentar desafios.

HADES:

Desde que o desafio não seja feito por Egeu...

ASTERIÃO:

O que tem Egeu?

HADES:

Eu conheço Egeu. Ele é um homem nobre e caridoso, mas também é rancoroso e vingativo.

ASTERIÃO:

Só mais um motivo pra eu me preocupar. E vamos falar de outra coisa, que eu já vi que se a gente continuar falando disso você só vai me dar mais preocupação.

HADES:

Tudo bem. Alguma sugestão?

ASTERIÃO:

[Sentando na mesa, no lado oposto a Hades.] Notícias do Olimpo?

HADES:

[jogando] Zeus tava deixando aquilo virar uma bagunça. [Esperando Asterião jogar.] Mas pudera, ele deixou Hera no comando, só pra ela não ficar correndo atrás dele. Aquilo lá ficou pior que os Infernos. [rindo] Mas até que foi engraçado [Asterião joga.] ver aquela cambada que vive puxando o saco de Zeus penando nas mãos de Hera!

ASTERIÃO:

[Esperando Hades jogar.] Hermes esteve aqui outro dia. Queria saber detalhes sobre o Touro de Creta.

HADES:

[jogando] Hermes é um bom sujeito. Mas está sempre muito atarefado.

ASTERIÃO:

Como você?

HADES:

Sim. E o que é que Hermes pode querer com o Touro?

ASTERIÃO:

Tinha alguma coisa a ver com um tal de Hércules.

HADES:

Não seria Héracles?

ASTERIÃO:

Sim. [jogando] O que ele tem de tão importante?

HADES:

Ele é filho de Zeus. Tem provado ser um homem de valor! E Zeus quer que ele seja um deus, pra servir de exemplo.

ASTERIÃO:

E o que tem o Touro com isso?

HADES:

Você conseguiria domar o Touro de Creta?

ASTERIÃO:

[Hades joga.] Eu? Duvido muito!

HADES:

Héracles domaria! Ele é o ser mais forte do universo!

ASTERIÃO:

E o que Zeus tanto faz, que tem que deixar Hera ocupada?

HADES:

Ah, o de sempre. Pulando a cerca!

ASTERIÃO:

Ele nunca faz nada de útil, né?[joga]

HADES:

Claro que faz. Ainda outro dia ele passou aqui pra ver como você estava!

ASTERIÃO:

Mesmo você vindo aqui todo dia?

HADES:

Sim. Ele sabe que eu nunca vou substituir Minos. Fica sempre preocupado que você não esteja bem sem ele.

ASTERIÃO:

É, algo de útil. [Hades joga.] E aquele praga?

HADES:

Não fale assim dele, goroto. Posseidon está aos cacos, tentando descobrir um jeito de acalmar o Touro. Sabe, os deuses não têm poderes sobre touros em Creta.

ASTERIÃO:

Se ele não for rápido, Héracles chega antes dele...

HADES:

E Afrodite também, coitada. Não pode fazer nada por você enquanto você estiver aqui.

ASTERIÃO:

[jogando] Eu já disse pra ela que não precisa, eu prefiro continuar como eu estou, que é mais seguro.

AFRODITE:

[aparecendo] Mas eu já disse que ninguém precisa saber que é você.

ASTERIÃO:

Posseidon ainda está furioso comigo, não está?

AFRODITE:

Sim. E Hera também.

HADES e


ASTERIÃO:

Mas Hera não conta né?

ASTERIÃO:

Aqui na ilha nem tinha templo praquela víbora, ela devia estar muito da feliz de eu ter feito o rebuliço pra estragar a festa dos outros!

HADES:

Ela é invejoja!

AFRODITE:

E você fez mais rebuliço em dois meses que ela faz em dois anos.

ASTERIÃO:

Mais um motivo pra eu continuar aqui, bem seguro!

AFRODITE:

Mas que você ia dar um homão danado de bonito! E não ia nem precisar da minha ajuda pra isso. Eu acho até um desperdício!

ASTERIÃO:

Eu não nasci pra ser bonito. Eu nasci pra ocupar o espaço do meu pai na família.

HADES:

Ué, agora ele é seu pai, é? [Asterião grune.]

AFRODITE:

Eu não entendo mesmo. Com tanta coisa bonita nesse mundão lá fora, você continua querendo ficar nesse labirinto horroroso! O que é que tem aqui afinal de contas?

ASTERIÃO:

Aqui? Nada. Mas se eu mudar, não vai dar pra ficar com a minha família.




[Cnossos: quarto de Ariane. Manhã. Ariane tomando café da manhã: sobre uma toalha no chão, muitas frutas, leite e pão. Pasífae entra.]

PASÍFAE:

Posso comer contigo, filha? [Ariane faz "que sim".] Seus irmãos viajaram e esse palácio ficou tão vazio!

ARIANE:

Ficou mais silencioso. Tá ótimo assim!

PASÍFAE:

Eu não consigo ficar sem a gritaria deles...

ARIANE:

Eu só vou sentir falta das competições. [Pausa. Enquanto Pasífae se serve, Ariane a observa, considerando a pergunta que irá fazer.] Mamãe, quem é Asterião? [Pasífae deixa uma fruta cair e olha para a filha.]

PASÍFAE:

[receosa] Onde você ouviu esse nome?

ARIANE:

Erm... você sabe como esse povo fala, não é?

PASÍFAE:

Mas você lembra onde?

ARIANE:

No jardim do mar. Mas a senhora sabe ou não sabe quem é?

PASÍFAE:

É que eu não posso falar sobre isso, minha filha.

ARIANE:

Tá! Eu pergunto a outra pessoa!

PASÍFAE:

Como assim, "eu pergunto pra outra pessoa"!?

ARIANE:

Ué? E no meio desse povo futriqueiro não vai ter ninguém que não conheça um segredo desses?

PASÍFAE:

Segredo desses?

ARIANE:

É. Um sobre o qual a rainha não pode falar.

PASÍFAE:

É. Esse povo é futriqueiro mesmo! [pausa] Foi um filho que eu perdi, há muito tempo.

ARIANE:

Quem? Asterião?

PASÍFAE:

Sim. Você mal tinha nascido.

ARIANE:

Ele morreu?

PASÍFAE:

Foi levado pelo Minotauro.

ARIANE:

O monstro de Minos? [Pasífae faz "que sim".] Aquele que está preso no labirinto?

PASÍFAE:

Sim.

ARIANE:

Mas, o monstro levar gente?

PASÍFAE:

[sorrindo] Pergunte a qualquer um. Todo mundo na ilha conhece essa história.




[Cnossos: jardim do mar. Manhã. Ariane conversando com algumas crianças.]

MENINA 1:

Leva? Ele come gente, Ariane!

ARIANE:

Ué? Mas ele não era um touro?

MENINA 1:

Não. Ele é meio touro! A outra metade dele come gente.

MENINA 2:

E dizem que quem entra no labirinto nunca mais sai de lá!

ARIANE:

Não seria por que é um labirinto?

MENINO:

A gente ouve gritos, às vezes, das pessoas que se arriscam entrar lá...

MENINA 3:

E a morte vive rondando-

ARIANE:

Eu já disse que isso é mentira.

MENINA 2:

Ah. Eu esqueci que você conversa com "ele"!

ARIANE:

Vocês tão falando muita besteira pra mim!

MENINA 3:

E você não tem juízo! Além de perder seu tempo coversando com um estranho, fica dando trela pra ele!

ARIANE:

Mas ele não faz mal.

MENINA 3:

Ainda não fez, né?

MENINO:

E se não for a morte, só pode ser coisa pior!

ARIANE:

Pior?

MENINO:

Raciocina Ariane. Só existe uma criatura viva naquele lugar!




[Cnossos: jardim do minotauro. Fim de tarde. Ariane está sentada num banco. Entra asterião, escondido sob a capa, e senta-se ao lado dela.]

ASTERIÃO:

Você está com a cara abatida. Aconteceu algo ruim?

ARIANE:

Você é o monstro de Minos?


[Silêncio. Asterião encara Ariane por alguns segundos.]

ASTERIÃO:

E isso vai fazer alguma diferença?

ARIANE:

Não sei. Mas assusta um pouco.

ASTERIÃO:

Faz diferença se eu disser que sou seu irmão?

ARIANE:

Você... você é Asterião?

ASTERIÃO:

Que bom que alguém falou sobre mim pra você.

ARIANE:

Bom. Na verdade eu ouvi alguém falar...

ASTERIÃO:

Você nunca se perguntou como eu sabia tanto sobre sua família?

ARIANE:

Eu sempre achei estranho. [pausa] E por quê o disfarce?

ASTERIÃO:

Infelizmente eu não posso dizer.

ARIANE:

Mas você também?

ASTERIÃO:

Existem coisas sobre as quais não podemos falar, Ariane.

ARIANE:

Mas por quê?

ASTERIÃO:

No meu caso, porque é algo que não diz respeito somente a mim.




[Cnossos: sala do trono. Noite. Minos, sentado no trono. Entra o mensageiro.]

MENSAGEIRO:

Notícias de Atenas, meu rei. [Fazendo uma reverência.] O jovem Euriges venceu todas as competições dos jogos. Seus filhos estarão de volta a Creta em dois dias.

MINOS:

Obrigado. [O mensageiro faz uma reverência e sai.] E o que você quer agora?

ASTERIÃO:

[Escondido nas sombras.] Parece que seu esforço para esconder o passado não tem rendido bons frutos.

MINOS:

Veio me agourar de novo?

ASTERIÃO:

Ariane acabou de conversar comigo.

MINOS:

Você devia deixá-la em paz.

ASTERIÃO:

Parece que ela não conseguiu encontrar alguém que lhe desse uma explicação satisfatória sobre Asterião.

MINOS:

[Gela. Olha para o ponto de onde vem a voz de Asterião.] Ela lhe perguntou sobre-

ASTERIÃO:

Ela me procurou para saber sobre o Minotauro. Eu disse que era irmão dela, e parece que ela já sabia o meu nome.

MINOS:

Pois você devia ter falado que é o Minotauro.

ASTERIÃO:

Eu nem vou discutir isso! Só dizer que eu avisei.

MINOS:

É. Eu notei. [pausa] Por que você continua vindo me atormentar?

ASTERIÃO:

Eu ainda tenho esperança. Você ainda pode mudar as coisas.

MINOS:

Você não deixa nenhum templo em pé nesta ilha. Como você acha que eu posso mudar as coisas?

ASTERIÃO:

Bom, isso é você quem tem que saber. Eu só espero que você encontre uma, antes que seja tarde demais.




[Cnossos: quarto de Ariane. Noite. Ariane, sentada na cama, esperando. Pasífae passa pela porta.]

ARIANE:

Mamãe! [Pasífae volta e pára na porta.]

PASÍFAE:

Sim, minha filha?

ARIANE:

Eu falei com Asterião.


[Silêncio. Pasífae dá um leve sorriso e se aproxima de Ariane.]

PASÍFAE:

E ele está bem?

ARIANE:

Você pode perguntar a ele. Daqui a pouco ele vai estar aqui.

PASÍFAE:

Se esse é o caso, eu passo aqui antes de você dormir.

ARIANE:

Mamãe?

PASÍFAE:

Diga, minha filha!

ARIANE:

Por que há pessoas que não podem falar sobre o Minotauro?

PASÍFAE:

Porque o rei de Creta não permite?

ARIANE:

E qual é o problema que ele não deixa-

PASÍFAE:

Ele fez coisas horríveis num passado muito remoto. E seu pai foi responsável por isso.

ARIANE:

Mas se foi o papai, por quê é o monstro que está no labirinto?

PASÍFAE:

Porque o monstro destruiu todos os templos da ilha, e também matou uma pessoa.

ARIANE:

Mas, se o monstro mata... por quê meu irmão vive no labirinto?

PASÍFAE:

Bom. Isso, eu acho melhor você perguntar a ele. [sai]

ASTERIÃO:

[Assustando Ariane ao falar.] Eu preciso mantê-lo sob controle.

ARIANE:

Não é... perigoso?

ASTERIÃO:

Não pra mim.

ARIANE:

E por quê o papai deixa esse bicho vivo?

ASTERIÃO:

O bicho é sagrado. Ninguém pode sacrificá-lo sem sofrer uma terrível consequência.

ARIANE:

Que consequência?

ASTERIÃO:

Bom, isso depende da pessoa. Na maioria dos casos é morte, mas a regra mesmo é que vai acontecer ao carrasco do bicho o pior que lhe pode acontecer.

ARIANE:

Mas o pior não é a morte mesmo?

ASTERIÃO:

Em alguns casos, não.

ARIANE:

E a gente não pode recorrer aos deuses?

ASTERIÃO:

Felizmente os deuses não podem interferir nesse caso.

ARIANE:

Felizmente?

ASTERIÃO:

Com o tempo você vai perceber que os deuses não passam de pessoas egoístas e mimadas, em quem o poder instalou certas megalomanias.

ARIANE:

O que são megalomanias?

ASTERIÃO:

Megalomania é quando alguém acha que é maior do que é, de alguma forma, em algum contexto.

ARIANE:

Quer dizer que os deuses não são o máximo como dizem?

ASTERIÃO:

[Rindo de leve.] Não. Mas a propaganda funciona muito bem!




[Cnossos. Hades observa a janela do quarto de Ariane. Som de vento nas árvores, barulho distante de ondas quebrando na areia. Entra Destino, a aparência de um senhor idoso, vestes de indigente, negro, magro, carregando um saco nas costas. Hades não tira os olhos da janela.]

HADES:

Você tem que andar com essa coisa por aí?

DESTINO:

Não vou deixar ninguém mudar nenhum dos meus tecidos de novo!

HADES:

Se eu fosse você e relaxava. Ninguém mais vai tentar.

DESTINO:

Me sinto mais seguro assim.

HADES:

Que seja. Você fez o que eu pedi?

DESTINO:

O destino de Egeu já está tecido. O que ele fez, afinal de contas?

HADES:

Ele ainda vai fazer, meu caro.

DESTINO:

Como você sabe.

HADES:

Você o condicionou a isso?

DESTINO:

Ah! Alguém manchou a soberania dele?

HADES:

Sim. E a vingança de Egeu vai custar um preço muito amargo.

DESTINO:

E eu posso saber por que você me chamou aqui?

HADES:

Eu quero que você veja uma coisa. [Faz um sinal para que Destino o acompanhe. Os dois seguem até a janela do quarto de Ariane. Dentro do quarto, Asterião conta uma história para Ariane dormir. Ela sorri animada com o irmão, imaginando como ele é debaixo do disfarce.]

DESTINO:

É isso que você quer que eu veja?

HADES:

Acomode-se, Destino. Você vai passar a noite comigo hoje!

DESTINO:

Só vou ficar porque você é uma pessoa sensata.

HADES:

Isto é o que acontece, toda noite. Ele vem aki cuidar da irmã, assumir as responsabilidades que o pai não assume.

DESTINO:

Você está me dizendo que esse garoto é o pai dessa menina?

HADES:

Mais ou menos isso. [Entra Pasífae.] Ora, veja! Isso é uma novidade!

PASÍFAE:

Filho?

ASTERIÃO:

Não está tarde pra você estar fora da cama?

PASÍFAE:

Eu vim te ver. Tudo bem?

ASTERIÃO:

Depois de tanto tempo?

PASÍFAE:

Eu tinha que cuidar dos seus irmãoe e, você sabe, eu sou a rainha. Tenho alguns deveres a cumprir.

ASTERIÃO:

Eu entendo. Mas continuo chateado.

PASÍFAE:

Eu tenho uma promessa pra cumprir lembra?

ASTERIÃO:

[Observa a mãe, considerando o que ela disse.] Você sabe que isso não é desculpa, não é?

PASÍFAE:

Foi a melhor que eu achei agora.

ASTERIÃO:

[Levantando.] Amanhã eu termino a história. Boa noite, Ariane.

ARIANE:

Boa noite, Asterião.

ASTERIÃO:

E vê se fica calada. As pessoas não vêem minha história com bons olhos. E vão criar caso contigo se você ficar falando meu nome por aí. Principalmente seu pai.

ARIANE:

Tá.

ASTERIÃO:

[Passa a mão no rosto de Ariane, da testa ao queixo, e volta para Pasífae.] Quer dar uma volta no jardim?




[Cnossos: jardim do mar. As ondas quebrando na praia, o vento forte agitando as vestes de Pasífae e Asterião. Sob a sombra de uma árvore, Hades e Destino observam.]

PASÍFAE:

É bom saber que você não enrigeceu por causa do labirinto.

ASTERIÃO:

Provavelmente eu nunca vou enrigecer.

PASÍFAE:

E você tem se alimentado direito?

ASTERIÃO:

Se não tem assunto, não inventa, né, mãe!

PASÍFAE:

É, eu nunca fui muito boa em inventar assunto mesmo. [pausa] Sabe a promessa que eu fiz?

ASTERIÃO:

E o que tem ela?

PASÍFAE:

É um feitiço.

ASTERIÃO:

[surpreso] Tá certo que você não é lá uma grande feiticeira, mas sua mágica nunca falhou.

PASÍFAE:

Eu escolhi as palavras erradas.

ASTERIÃO:

Como assim?

PASÍFAE:

Magia antiga. Qualquer um pode fazer. A criança só precisa estar livre da influência do mundo.

ASTERIÃO:

E quem é que está livre da influência do mundo?

PASÍFAE:

Bom, você era recém-nascido e ainda não tinha saído dos meus braços.

ASTERIÃO:

De qualquer jeito não ia funcionar. Eu já havia sofrido a influência do mundo dentro da sua barriga. E me tornei o minotauro.

PASÍFAE:

Isso aconteceu em meu ventre. Na verdade a influência foi sobre mim. E depois, não é tão simples assim. É preciso mais que uma interferência pra influenciar.

ASTERIÃO:

Bom. Então, por quê não está funcionando?

PASÍFAE:

Er... você será muito feliz. Eu só não disse quando.

ASTERIÃO:

É bom saber que eu vou ser feliz, cedo ou tarde. Já é um alívio. E um consolo.

DESTINO:

Eu ainda não entendi, Hades. O que tem esse menino de tão especial pra você me trazer aqui?

HADES:

Esse, Destino, é o garoto que têm dado tanta dor de cabeça aos deuses.

DESTINO:

[atônito] Ele-? [Hades faz "que sim".] Não é possível!

HADES:

É perfeitamente possível, meu incrédulo amigo!

DESTINO:

[atônino] O menino touro?

HADES:

Precisamente.

DESTINO:

Mas... [Mais atônito ainda.] Esse guri não iria fazer mal sequer a uma formiga.

HADES:

Séculos de existência e você ainda não sabe que as pessoas são capazes de qualquer coisa com o estímulo certo?

DESTINO:

Mas é tão difícil acreditar!

HADES:

Espere ele voltar à rotina. Vai ficar ainda mais difícil de acreditar.

DESTINO:

E eu que achava-

ASTERIÃO:

Hades tem me visitado, sabia? Tem feito uma grande diferença.

PASÍFAE:

Ele é um amor. Mas eu sempre achei que ele fosse um deus muito ocupado.

ASTERIÃO:

E é. Ele se ofereceu para me assistir quando Zeus estava procurando alguém pro cargo.

PASÍFAE:

Parece que ele deu o jeito dele, não é mesmo.

ASTERIÃO:

Ele gosta de mim. E, como eu já disse, tem feito uma grande diferença.


[pausa]

PASÍFAE:

Eu sinto tanto a sua falta, meu filho!

ASTERIÃO:

Eu sei. Mas era preciso que você me procurasse.

PASÍFAE:

Por quê?

ASTERIÃO:

Para que nós tivéssemos essa conversa.

PASÍFAE:

[chorando] E eu nem vi você crescer!

ASTERIÃO:

Não perdeu nada. Meu amadurecimento foi uma chatice.

PASÍFAE:

Mas você tem acompanhado Ariane desde que está no labirinto.

ASTERIÃO:

Eu tenho acompanhado todos os meus irmãos desde sempre, mãe.

PASÍFAE:

E é isso que te faz tão formidável, meu filho! [sorri]

ASTERIÃO:

Eu acho melhor você ir agora. Está muito tarde.

PASÍFAE:

Só mais um minuto!

ASTERIÃO:

Vai logo! [Abraça Pasífae.] Eu te amo, viu!

PASÍFAE:

Eu também te amo muito. Se cuida. [Sai, seguindo na direção da janela de Ariane.]

ASTERIÃO:

[Tira o capuz e encara a lua.] "Formidável..." "Divino..." "Monstro..."


Por que eu sou assim?


Por que sou tão diferente


do que há dentro de mim?


Lua, oh! lua!


Me ajude a entender


porque pessoas são assim


cruéis com quem não pode ser!


Lua, oh! lua!


Me ajude a proteger


minha família desse mal


que já consigo ver!


[Põe o capuz e sai, seguindo para o labirinto.]




[Cnossos: quarto de Ariane. Ariane, na janela, observando o labirinto.]

ARIANE:

Por que se esconde?


Se não posso mesmo te ver


ou sequer saber de você


então por que aparecer?


Qual o segredo?


Que história devo esconder?


Esse mistério cresce e eu


não sei o que fazer.




[Labirinto. Noite. Asterião, voltando pro quarto, acompanhado de Hades e Destino. Lamento.]

DESTINO:

Como puderam fazer essa maldade com um menino desses?

HADES:

Ele nem tinha nascido ainda quando aconteceu.

DESTINO:

O que só piora as coisas.

HADES:

Você não parecia se importar com isso.

DESTINO:

É, ninguém é perfeito né?

ASTERIÃO:

Mas poucos são os deuses que não se acham perfeitos.

DESTINO:

Ele pode nos ouvir?

HADES:

Ele é semi-deus, e touros são sagrados nessa região.

DESTINO:

Ele- ele é divino?

HADES:

Aqui, ele é. Divino e mortal.

ASTERIÃO:

Quem é você?

DESTINO:

A pergunta foi pra mim?

ASTERIÃO:

Eu vou ter que formalizar?

HADES:

Não precisa, filho. Destino está só me acompanhando hoje.

ASTERIÃO:

É ele o cara das profecias?

DESTINO:

Não fui eu quem escreveu aquelas profecias.

ASTERIÃO:

Eu soube. Mas gostei do trabalho mesmo assim.

DESTINO:

Espirituoso, com certeza, ele é!

ASTERIÃO:

[Entrando no quarto com os dois deuses.] Não estou muito afim de jogar hoje.

HADES:

Você não conversa com sua mãe há muito tempo.

ASTERIÃO:

Bom, teve aquela vez que eu fui falar com Minos e ela apareceu.

HADES:

Eu não creio que você tenha conversado com ela. Se eu bem me lembro, você e Minos estavam discutindo. E ela se mandou porque estava sobrando.

ASTERIÃO:

E estava mesmo. [pausa] Eu vou subir, se você não se importa.

HADES:

Fique à vontade! [Asterião sai para o quintal.] Está chegando a hora, Destino. Você já deve saber o que fazer.

DESTINO:

Obrigado pelo convite. Foi bastante instrutivo.

HADES:

Você agradecendo por sair da toca?

DESTINO:

Algumas coisas mudam de vez em quando. [sorri]




[Labirinto: topo do labirinto. Asterião, sentado, admirando a lua.]

ASTERIÃO:

Eu não seria mais feliz por isso.

HADES:

É Minos de novo?

ASTERIÃO:

É tudo. A situação em que eu me encontro por ter uma forma estranha.

HADES:

Anime-se. As coisas vão melhorar. Sua mãe garantiu isso.

ASTERIÃO:

Mas é que está ficando tão difícil suportar. Antigamente eles me davam nomes horrorosos por brincadeira, pra debochar de mim. Hoje em dia eles me chamam pelos mesmos nomes porque têm medo de mim!

HADES:

Seria pior se eles te idolatrassem...

ASTERIÃO:

E eu sempre tenho a impressão de estar lutando contra- [Um navio se aproxima, no horizonte.] E essa agora! Mais problemas!

HADES:

Catreu está nesse barco.

ASTERIÃO:

Mas eu achei que ele só voltaria daqui a dois dias.

HADES:

Acho melhor você ir lá ver o que houve.

ASTERIÃO:

Você está sabendo de alguma coisa?

HADES:

Não. Mas eu aposto que tem o dedo de Egeu nessa história.




[Cnossos: jardim do mar. Noite. O barco encalha na margem do mar. Catreu desce do barco, acompanhado de alguns homens que vieram devolver o barco ao mar. Catreu deixa os homens pra trás e segue em diração ao palácio. No meio do caminho, Asterião aparece na frente dele, assustando-o.]

ASTERIÃO:

Você chegou mais cedo.

CATREU:

Pôrra, que susto. Quer me matar, é?

ASTERIÃO:

Desculpa, mas eu achei que um barco chegando sorrateiro assim não poderia ser boa coisa.

CATREU:

E não é mesmo?

ASTERIÃO:

E o que foi que houve?

CATREU:

Nada. [Volta a caminhar até o palácio.] Ainda.

ASTERIÃO:

Como assim, ainda?

CATREU:

Vem comigo que você vai saber.




[Cnossos: quarto do rei de Creta. Noite. Minos dorme, ao lado de Pasífae, que está sentada na cama, com um ar pensativo. Catreu entra no quarto, seguido por Asterião.]

PASÍFAE:

[assustada] Catreu?

CATREU:

[Chacoalhando Minos.] Pai. Acorda.

MINOS:

[acordando] Catreu? O que você está fazendo aqui?

CATREU:

Pai, nós temos um problema.

MINOS:

[sonolento] Pra você estar me acordando de madrugada, devemos ter mesmo.

CATREU:

[Olhando para Pasífae.] Mãe, tira ele da cama.

PASÍFAE:

Meu filho, o que está havendo?

CATREU:

Eu vou explicar, mas eu preciso dele fora da cama.

PASÍFAE:

Tá. [Catreu sai. Pasífae levanta, contorna a cama e ajuda Minos a se levantar.] Você sabe do que se trata?

ASTERIÃO:

Não. Mas Hades acha que tem o dedo de Egeu nessa história.

MINOS:

[sonolento] Ele acha, é?

PASÍFAE:

Vai começar a cretinice agora, é, Minos?

MINOS:

[sonolento] E o que é que ele está fazendo aqui afinal de contas?

PASÍFAE:

Exatamente o mesmo que você, no momento?

MINOS:

[sonolento] Caindo de sono é que ele não está.

ASTERIÃO:

Eu vou fingir que não ouvi isso.

MINOS:

[sonolento] Volta pro seu canto vai, menino.

ASTERIÃO:

E você consegue ficar acordado? [Catreu derrama um balde de água sebre Minos. Minos fica furioso.]

CATREU:

Agora ele consegue.

MINOS:

[gritando] Mas que idéia foi essa?

CATREU:

Eu tinha que acordar você.

ASTERIÃO:

Precisa esse drama todo? É só água!

MINOS:

[irritado] Muito bem, garoto. É melhor você ter um bom motivo-

CATREU:

Euriges vai enfrentar o touro de Maratona.


[Silêncio. Minos olha de Catreu para Pasífae, constantemente.]

ASTERIÃO:

Ele está fazendo isso só pra chamar a atenção do pai, não é?

CATREU:

Bom. Acho que sim. Pelo menos esse foi um dos-

MINOS:

E o que é que Egeu tem com isso?

CATREU:

Ele fez o convite. Mas como-

ASTERIÃO:

Parabéns! Dessa vez eu não posso nem dizer que eu avisei!

MINOS:

É só trazer o garoto de volta.

CATREU:

Euriges sumiu. Deucalião foi atrás dele, mas não acho que vai conseguir alcançá-lo.

ASTERIÃO:

Se superou dessa vez, hein, paizão!

PASÍFAE:

Que parar com isso, garoto!

ASTERIÃO:

Eu espero mesmo que meu irmão volte vivo, majestade, afinal, de que adianta ter um herói MORTO!

PASÍFAE:

CHEGA! VOCÊS NÃO VÃO FICAR DE PICUINHA COM MEU FILHO CAMINHANDO PRA MORTE! [Minos senta na beirada da cama.] E VOCÊ NÃO VAI FAZER NADA, MINOS?

MINOS:

Eu vou ensinar Egeu a nunca mais se meter a besta com a minha família.

CATREU:

Desculpe, o quê?

MINOS:

Há muitos anos eu sacrifico tudo que eu tenho por essa gente. Acho que já está na hora de eles fazerem algo por mim.

PASÍFAE:

Você tá falando daquele povo imprestável que está lá fora?

MINOS:

Sim.

PASÍFAE:

E como é que você vai fazer isso?

MINOS:

Mentindo.




[Deucalião volta, a caravana de Creta para os jogos carregando o corpo de Euriges; Imagens aleatórias: Creta se preparando para a guerra.]

CORO


(CRETA):

Povo invejoso.


Gente traiçoeira.


O sangue de Creta derramado por besteira!


Queremos justiça


pela imprudência.


Egeu deve pagar por tamanha vilania.


Deuses nos ajudem


e nos iluminem.


Façam algo útil por nós uma vez na vida!


[As tropas cretenses invadem a Ática. Imagens aleatórias: Atenas se preparando para a guerra.]

CORO


(ATENAS):

Povo leviano


Gente atrevida


Eles insultaram a nossa soberania!


Queremos vingança


por esta ofensa.


Faremos Minos sofrer por tanta tirania.


Deuses nos protejam


e nos iluminem.


Façam algo útil por nós uma vez na vida!


[Imagens aleatórias: batralhas entre cretenses e atenienses.]

CORO:

Deuses nos ajudem[Creta]/protejam[Atenas].


e nos iluminem.


Façam algo útil por nós uma vez na vida!




[Palácio de Egeu: sala do trono. Cretenses arrombam a porta e entram na sala, liderados por Minos. Egeu tenta fugir pela janela, mas Minos o agarra pelos cabelos antes que desapareça, atirando-o ao chão, e empunhando a espada contra sua garganta.]

MINOS:

Render-se não é uma opção. Você vai assistir a queda do seu exército. E eu vou garantir que ele seja totalmente exterminado!

EGEU:

Isso não vai ficar assim, Minos.

MINOS:

E quando eu for embora, levarei comigo sete rapazes e sete moças do teu reino.

EGEU:

Eu vou invadir tua ilha maldita.

MINOS:

Se você conseguir algum aliado neste seu delírio de grandeza-

EGEU:

EU VOU DESTRUIR SEU REINADO, SEU DESGRAÇADO!

MINOS:

E eu vou querer mais sete moças e mais sete rapazes a cada nove anos.

EGEU:

Quanto mais, melhor pra mim. Mais gente do meu povo enfiada no teu reino pra me servir!

MINOS:

Só se eles sobreviverem ao MEU monstro!

EGEU:

[assustado] O Minotauro?

MINOS:

Ah! Que bom que você já ouviu falar! Soube que Posseidon não conseguiu matá-lo?

EGEU:

Mandarei meus melhores guerreiros!

MINOS:

Ele é protegido por Hades.

EGEU:

Hades não me assusta!

MINOS:

Pois mande então. Veremos no que isso vai dar!

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