22 de out. de 2010

O Minotauro (Monstro)

HADES:

O menino está realmente furioso!

MINOS:

Isso vai passar...

HADES:

Infelizmente, quando passar, será tarde demais.

ZEUS:

Ele é um bom menino, Hades. Que mal pode fazer?

HADES:

Ele é um bom menino desiludido, meu irmão. E nesse momento, completamente perturbado, vai fazer o possível para ter o máximo de paz que puder. [Minos contempla Asterião seguindo para Galatas na estrada. Seus movimentos agora precisos como nunca foram, e a completa ausência de sua característica desastrosa transparecem sua total segurança no que está fazendo.] Um dia, Minos, poderás reconstruir todos os templos, mas isso não será possível antes que o minotauro se acalme.

MINOS:

Minotauro?

HADES:

É como chamarão a criatura que criaste. A tua criatura. Teu filho, até que ele morra!




[Asterião destrói o enorme templo de Apolo, em Galatas, sob o olhar piedoso de um deus em chamas. Os sacerdotes, que parecem se recusar a sair do templo, ficam vitimados entre os destroços do que era um templo gigantesco. Em Cnossos, um touro branco enfurecido, que obviamente não é Zeus, apavora as pessoas, dando chifradas e coices, em tudo e todos, descontroladamente. Numa noite, na cama, Minos admira Pasífae com desdém enquanto ela dorme.]



MINOS:

[Asterião destrói mais um templo, desta vez observado por uma deusa que carrega serpentes em seus braços: um recanto natural com alguns alicerces de pedra instalados para suportar o teto do templo.] Destruição!

ASTERIÃO:

[Euriges procura Minos para brincar, mas Minos passa por ele sem notar, aparentemente atarefado.] Desatenção!

MINOS e


ASTERIÃO:

Pra quê fazer tanto mal?!

MINOS:

Petulância!

ASTERIÃO:

Distância!

MINOS e


ASTERIÃO:

Sequer quer esconder!


Erra por egoísmo sempre culpando a mim!

MINOS:

Estabanado!

ASTERIÃO:

Atarefado!

MINOS e


ASTERIÃO:

Se engana muito bem!

MINOS:

Inconseqüente!

ASTERIÃO:

Indiferente!

MINOS e


ASTERIÃO:

Sempre causando dor!


Se isso era pra ser


não precisava ser assim!


[Cnossos: sala do trono. Minos sentado no trono, ansioso.]

ASTERIÃO:

[entrando] Quer falar comigo, é? [Fazendo uma reverência debochada.] Majestade!

MINOS:

Asterião, você tem que...

ASTERIÃO:

Eu não vou deixar de reagir se alguém me incomodar por causa da minha aparência!

MINOS:

Isso não é um pedido, é uma ordem!

ASTERIÃO:

E você acha mesmo que eu vou obedecer? Adivinha, criatura ignóbil! Você não tem poder sobre mim!

MINOS:

Como ousa me chamar de ignóbil! Eu sou o rei de Creta!

ASTERIÃO:

Isso não te faz mais nobre! E nem menos vil. [sai]


Desleixo!

MINOS:

Displicência!

ASTERIÃO:

Arrogância!

MINOS:

Insolência!

MINOS e


ASTERIÃO:

Quanto isso vai durar?

ASTERIÃO:

Soberbo!

MINOS:

Orgulhoso!

ASTERIÃO:

Leviano!

MINOS:

Irresponsável!

MINOS e


ASTERIÃO:

Não vai me escutar!

ASTERIÃO:

Absolutista!

MINOS:

Relativista!

ASTERIÃO:

Fraco!

MINOS:

Prepotente!

ASTERIÃO:

Despresível!

MINOS:

Repulsivo!

ASTERIÃO:

Insensível!

MINOS:

Apático!

MINOS e


ASTERIÃO:

Rude!


Incorrígível!


MONSTRO!


Não importa como começou:


Isso precisa ter um fim!


[Cnossos: quarto de Ariane. Ariane deitada sobre uma cama, Asterião ao seu lado, Pasífae entrando no quarto.]

ASTERIÃO:

Haja o que houver, eu vou estar sempre zelando por vocês![Pasífae se aproxima de Asterião e põe a mão em seu ombro.]


[Sala do trono. Minos e um criado.]

MINOS:

[Para o criado.] Chame Dédalo. Acho que vou precisar da engenhosidade dele.




[Cnossos. Asterião caminhando pelos corredores com Pasífae.]

PASÍFAE:

Não foi muito prudente o que você fez não, meu filho.

ASTERIÃO:

E eu com isso, mamãe. Eu só não vou mais permitir que os deuses me usem como diversão!

PASÍFAE:

É. Agora eles devem entender que o problema é sério.


[Pasífae pára. Dois passos adiante Asterião também pára, a três passos da porta para a sala do trono, e se vira para ela. Enquanto eles concluem a conversa, de dentro da sala, Minos e Dédalo concluem a conversa deles:

MINOS:

Eu preciso garantir que, se a situação fugir totalmente ao controle, nós possamor pará-lo. Você pode fazer isso pra mim?

DÉDALO:

Claro, meu rei. Não há nada que eu não possa fazer. Ainda.

MINOS:

Ótimo. Você receberá liberdade para fazer o que tiver em mente. A partir de agora. Pode ir.]

PASÍFAE:

[Se aproximando de Asterião.] Eu só estou preocupada com a solução que eles vão encontrar. Eles jogam sujo, sabe?

ASTERIÃO:

Eu entendo. Mas eu acho que Apolo me entendeu. E se ele me entendeu, muitos deuses entenderão. Eles sabem o que eu quero, sabem que não é nada contra eles. Eles não são adorados somente nesta ilha, e não estão tão preocupados com isso. [Dédalo surge na porta, caminhando apressado, em direção a Asterião e Pasífae. Voltando a caminhar com Pasífae.] Posseid-


[Dédalo esbarra em Asterião e cai desajeitado no chão. Ele olha para Asterião, pra saber a quem vai pedir desculpas e se assusta ao ver o minotauro.

DÉDALO:

[Protegendo o rosto com os braços no ar, com os olhos fechados, desesperado.] P-por favor, n-não me machuque!

ASTERIÃO:

E por que eu faria isso? [Dédalo abre os olhos e olha para Asterião. Ele fica admirado ao ver que o minotauro lhe estendeu a mão.] Você está bem?

DÉDALO:

[Recolhendo os braços e dando uma das mão para Asterião, ainda sem acreditar no que está acontecendo.] S-sim. Me desculpe. Eu só...

ASTERIÃO:

[Observando Dédalo limpar a roupa.] Eu sei. Eu ouvi. Eu acho. E depois, eu já estou acostumado, andar por esse castelo escuro, e ninguém me ver...

DÉDALO:

Com essa cabeça branca? Você está de brincadeira comigo?

ASTERIÃO:

[Com uma leve risada.] Não. É que as pessoas geralmente têm medo de mim, sabe?

DÉDALO:

Ainda não entendo a lógica.

ASTERIÃO:

Então não tente. Continue com o seu trabalho.

DÉDALO:

Hunf! E eu que achei que deveria parar um monstro!

ASTERIÃO:

E é isso mesmo! O Monstro de Minos! O Minotauro, como chamam. Aquele que o rei libertou. Só que eu estou incluido no pacote.

DÉDALO:

Se as coisas continuarem a correr como estão correndo, você é quem precisará ser protegido do mundo.

ASTERIÃO:

Minha mãe tenta fazer isso a 14 anos! Não acho que isso seja possível.

DÉDALO:

Bom, eu posso lhe garantir que é possível. Sabe? Não há nada que eu não possa fazer. Ainda.


[Asterião sorri. Dédalo faz a ele uma leve reverência, e sai. Asterião e Pasífae voltam a caminhar.]

PASÍFAE:

Seu pai não vai gostar se Dédalo se recusar a fazer o trabalho por sua causa.

ASTERIÃO:

Ele não é meu pai. Sequer finge que é! E, como eu ia dizendo, Posseindon, Afrodite e Zeus são os únicos que realmente têm que se preocupar. Como se eles realmente pudessem me enfrentar... [Sai com Pasífae. Da porta surge Minos, olhando para ele.]

MINOS:

Eu preciso ir a Delfos.




[Delfos: Templo de Apolo. Minos espera ao lado dos sacerdotes. A porta se abre. De dentro sai muita fumaça branca e uma menina, franzina, vestindo apenas um manto, os olhos avermelhados pela fumaça. A sala atrás dela é escura. Ela estende a mão, apontando Minos, chama-o com os dedos e entra na sala. Os sacerdotes fazem um sinal com a cabeça e Minos prosegue em direção à escuridão além da porta. A menina faz a ele um sinal e ele senta-se em uma pedra. Ela permanece de costas para ele.]

ORÁCULO:

Você deve estar muito desesperado pra me procurar, Minos.

MINOS:

Bem, eu estou com algumas dúvidas.

ORÁCULO:

Partilhe-as comigo.

MINOS:

É meu filho Asterião.

ORÁCULO:

Eu achei que ele não era seu filho!

MINOS:

É. Não é, mas...

ORÁCULO:

O que tem ele?

MINOS:

Eu não sei. Ele não tem sido mais ele ultimamente.

ORÁCULO:

E você continua sendo você? Quando foi a última vez que você não foi você, Minos? Você se lembra?

MINOS:

Não.

ORÁCULO:

E por que isso é um problema no menino?

MINOS:

Ele está destruindo o meu reino, assustando meu povo!

ORÁCULO:

E a você, não está?

MINOS:

Não. Eu o conheço-

ORÁCULO:

Conhece, não é?


[Silêncio angustiante. A menina traga algo não-identificável.]

MINOS:

Eu preciso proteger o meu reino.

ORÁCULO:

O garoto é uma ameaça.

MINOS:

Sim.

ORÁCULO:

Não é culpa dele, mas ele é. E é melhor que você faça algo a respeito disso, antes que uma tragédia aconteça.

MINOS:

Mas eu já estou fazendo!

ORÁCULO:

Está?

MINOS:

Sim, eu pedi a Dédalo-

ORÁCULO:

Então é Dédalo quem está fazendo? [Minos fica mudo. A menida traga novamente.] O menino perderá o controle novamente.

MINOS:

Mas ele já perdeu-

ORÁCULO:

Não perdeu não Minos. Ele sabe exatamente o que está fazendo!

MINOS:

Como posso impedir que isso aconteça?

ORÁCULO:

Seja você mesmo, e permita que o menino seja ele mesmo.

MINOS:

E como eu faço isso?

ORÁCULO:

Então é por isso que você está aqui?

MINOS:

Não. Eu estou aqui porque preciso parar Asterião.

ORÁCULO:

Isso todos nós sabemos, Minos.

MINOS:

Eu sei!

ORÁCULO:

[Encarando os olhos de Minos.] Então, por quê você está aqui? [Minos engole a saliva em sua boca. Os olhos da menina se transformam em chamas.] Parece que algo está muito errado, Minos. Meu senhor está vindo pra falar com você. [O olho da menina se apaga e ela desmaia.]

APOLO:

[Surgindo sobre a menina, como uma estrela nascendo.] Estás atrasado, mortal.

MINOS:

Ela me fez esperar muito.

APOLO:

[Flutuando sobre a menina, iluminado totalmente a sala.] Ainda sem isso, estarias atrasado.

MINOS:

Então por quê você não veio logo?

APOLO:

Ela me pediu uma palavrinha contigo. Me disse que talvez precisasses de um pouco da sabedoria dela.

MINOS:

Ela só conseguiu me deixar confuso.

APOLO:

Ótimo. Significa que estás refletindo sobre o que disseste.

MINOS:

Ela é só uma criança!

APOLO:

Eu sei. E tu deves ter notado que não são só os adultos que enxergam coisas que as crianças não enxergam.

MINOS:

Hunf! E o que ela entende do mundo afinal?

APOLO:

Ela entende que o mundo é feito do que há nele. Entende que o mundo é o mundo, e uma pessoa é uma pessoa. De fato, ela não entende muito da vida do mundo. Mas ela entende o que é viver, coisa que eu sei que tu não entendes. E muitos adultos mundo afora não entendem também.

MINOS:

Grande coisa! Eu sei de todas essas coisas!

APOLO:

Mas não entende. E sem ajuda, nunca vai entender. Conhecimento não é habilidade, Minos. E sabedoria não é inteligência. Tu tens que aprender a dicernir as coisas!

MINOS:

Você não veio lecionar, veio?

APOLO:

E tu queres aprender?

MINOS:

O que você veio fazer aqui?

APOLO:

"O garoto é uma ameaça. Não é culpa dele, mas ele é. E é melhor fazer algo a respeito disso, antes que uma tragédia aconteça. Ele perderá o controle novamente." É uma profecia.

MINOS:

Eu já ouvi. É sobre Asterião.

APOLO:

Não, Minos. É sobre ti! Fala do garoto, mas é sobre ti! Zeus, Posseidon e Afrodite também ganharam, uma profecia cada, falando do garoto. Todas forçando-os a arrepender-se pelo que fizeram. E todas elas com exatamente as mesmas palavras!

MINOS:

Você está me dizendo que eu devo me arrepender?

APOLO:

Eu falei que eles precisam se arrepender. Tu deves redimir-se.

MINOS:

Mas as profecias não dizem a mesma coisa?

APOLO:

Mas não se referem à mesma pessoa.


[pausa]

MINOS:

Por que você disse que eu estou atrasado?

APOLO:

Daqui a alguns minutos, o garoto vai perder o controle. Ele ainda é uma ameaça e não fizeste nada a respeito.

MINOS:

[assustado] Vai acontecer uma tragédia?

APOLO:

Irás redimir-te?

MINOS:

Não sei de quê.

APOLO:

Que pena! É só o que pode impedir a tragédia.

MINOS:

Mas eu não posso fazer outra coisa?

APOLO:

Infelizmente, esta é a única que depende de você.




[Cnossos: jardim do mar. Asterião e Catreu atirando pedras no mar. Distante, e de costas para eles, dois rapazes conversam, sentados à sombra de uma árvore.]

RAPAZ 1:

E você acha mesmo que ele vai continuar?

RAPAZ 2:

Claro! Um monstro nunca está satisfeito com a destruição. O objetivo deles é eliminação, e ele ainda não eliminou nada.

RAPAZ 1:

Mas claro que eliminou. Não tem mais templo nenhum na ilha.

RAPAZ 2:

Mas os escombros ainda estão lá. Se fosse para eliminar, não teriam sobrado nem as ruínas.

RAPAZ 1:

Você acha mesmo?

RAPAZ 2:

Eu acho é que ele tá querendo eliminar alguém.

RAPAZ 1:

O rei?

RAPAZ 2:

Claro que não, seu bocó! Mas deve ser algum deus. Ele está se empenhando tanto contra eles...

RAPAZ 1:

Se for esse o caso, então ele não vai parar nunca.

RAPAZ 2:

Não seja bobo. As moiras podem dar um jeito nisso.

RAPAZ 1:

Mas aí ele tem que chegar ao submundo.

RAPAZ 2:

O que não seria difícil pra ele. Hades é íntimo da família real, esqueceu?

RAPAZ 1:

Mas Hades é tio do Rei. E, se você não percebeu, a família real está em crise.

RAPAZ 2:

É, eu notei isso também... Coitado do rei. Eu gostaria de saber o que ele fez pra merecer essa desgraça de família que ele tem. [Asterião deixa cair a pedra que estava na mão dele e permanece parado.] A começar pelo minotauro. [Catreu pára de atirar pedras e olha para Asterião.]Lidar com um monstro como ele todos os dias não deve ser fácil. E tem também aquele irmão dele.

RAPAZ 1:

Qual deles?

RAPAZ 2:

Aquele que faz a maior arruaça quando uma garota se aproxima. Ele não gosta nem um pouco de meninas.

RAPAZ 1:

Mas ele não comeu aquela menina que queria ser oráculo?

RAPAZ 2:

Bom, parece que não gostou muito do prato. Uma tetéia de rapaz! [Os dois rapazes dão algumas risadinhas. Asterião fecha o punho.]

CATREU:

O que foi, Asterião?

RAPAZ 2:

[rindo] E tem aquele outro também, o tal de Deucalião. Burrinho, tadinho!

RAPAZ 1:

[rindo] Pelo menos ele não passa o dia correndo e se estrupiando pela casa que nem o mais novinho.

RAPAZ 2:

Isso sem contar com a vaca da mãe dele, né? A mulher é tão vaca que deu pro Touro de Creta.

RAPAZ 1:

Mas isso não foi antes do bicho endoidar?

RAPAZ 2:

[rindo] Ele deve ter endoidado porque foi dispensado pela vaca! [O outro rapaz ri também. Asterião vira para ver quem está falando mal de sua família. Catreu também olha.] Se a coisa continuar a correr assim, a menina vai terminar pior que a mãe.

RAPAZ 1:

[rindo] É! Vai passar pelas mãos de todo o reino! [Os dois rapazes permanecem rindo. Asterião segue na direção deles, seguido por Catreu.]

CATREU:

Asterião?

ASTERIÃO:

[Parando atrás dos dois rapazes.] E vocês são perfeitos para estarem falando assim da minha família, não são?


[Os dois rapazes olham para Asterião. O rapaz 1 se levanta, assustado.]

RAPAZ 2:

[sarcástico] Olha! E onde é que o belzebu estava escondido? [Catreu fita-o com desdém.]

RAPAZ 1:

[assustado] Pára com isso, você tá louco?

RAPAZ 2:

[levantando] Eu não tenho medo dele! Ele nem é humano!

ASTERIÃO:

É melhor seguir o conselho do seu amigo.

RAPAZ 2:

Ele chega a ser mesmo uma aberração. Dadas as circunstâncias, ele deveria ter nascido touro por inteiro.

RAPAZ 1:

[assustado] Escuta, seu minotauro. Ele não quer dizer nenhuma dessas coisas não, viu-

RAPAZ 2:

Cuidado hein, Catreu. Se continuar a seguir esse bicho, você também vai virar uma vaca! [ri]

ASTERIÃO:

[irritado] Vaca é a senhora sua mãe! [Catreu se assusta com Asterião. O rapaz 1 foge.]

RAPAZ 2:

Mas minha mãe não saiu por aí, dando pra touro nenhum, só porque eles são sagrados! [rindo] E sua família parece inclinada a seguir o exemplo da sua mãe! Os dois meninos são tão burros que vão querer imitar o resto da família! É uma pena. Um bando de meretrizes governando Creta! Bom, se eu puder tirar a minha casquinha, não vou me importar- [Asterião dá-lhe um soco no olho e ele cai no chão.] Você está mesmo na família certa! Uma vaca, uma gazela, um burro e um cavalo! Quem sabe um dia a menina não se torne uma égua!


[Asterião pula em cima do rapaz, desferindo uma série interminável de socos no rosto dele. Catreu fica paralizado, asssutado com a cena. Nas mãos de Asterião, sangue do rosto do Rapaz, que a esta altura está desesperado, chorando e gemendo de dor, tentando se livar do minotauro.]

CATREU:

[desesperado] Asterião, pára!


[Coberto de sangue, aos poucos o rosto do rapaz vai ficando desfigurado. Ele vai perdendos as forças para resistir, parando de reagir. O rapaz estático no chão, Asterião continua a dar os socos até voltar a si. Ao parar, ele olha para o rapaz inconsciente e desfigurado no chão, levanta, se afasta alguns passos, tremendo, ainda olhando para o rapaz.]

ASTERIÃO:

[assustado] Ele está morto?

CATREU:

[Aproxima-se do rapaz e observa-o. Chorando.] Ele está tremendo, mas está sangrando muito.

ASTERIÃO:

[assustado] Eu só queria que ele parasse. Eu não queria-

CATREU:

[chorando] Mas fez!

ASTERIÃO:

[assustado] Mas ele ainda não- Talvez-

CATREU:

[chorando] Eu acho que não. É muito sangue, Asterião!

ASTERIÃO:

[assustado] E agora? O que eu faço?

CATREU:

[chorando] Não sei. Mas da próxima vez é melhor me pedir pra bater por você.

ASTERIÃO:

[assustado] Próxima vez?

CATREU:

[chorando] Você acha que ele é o único a dizer o que a gente ouviu dele?

ASTERIÃO:

[assustado] Não. Mas acho que depois disso que aconteceu aqui, ninguém mais vai querer dizer.




[Cnossos: quarto do Rei de Creta. Criada 3 e Minos.]

MINOS:

ELE O QUÊ?

CRIADA 3:

[Ajudando Minos a trocar de roupa.] E-ele matou um jovem, meu Rei.

MINOS:

[Berra. Puxa o manto da mão da criada com tanta força que ela cai no chão.] EU MAL CHEGUEI DA VIAGEM E JÁ TENHO QUE RESOLVER OS PROBLEMAS QUE ESSE INFELIZ CRIA!

CRIADA 3:

Meu Rei, não se exaspere. Parece que ele não quis-]

MINOS:

NÃO IMPORTA. ELE FEZ! [Fita a criada, que o observa assustada.] Encontre Dédalo. Diga-lhe para apressar-se. Eu não posso mais esperar.




[Os meses vão passando. Aos poucos o jardim do minotauro ganha uma vista diferente: as obras do labirinto que ocorrem na margem do jardim escondem a vista para o o mar e vão se concluindo, assumindo uma construção colossal e transformando-se num estranho monumento. No topo do labirinto, um portal, adornado com um par de chifres.]




[Noite. Minos e Dédalo guiam guardas, que carregam um Asterião. Durante o caminho, Asterião vai acordando e averiguando o que está acontecendo. O grupo pára na entrada do labirinto.]

ASTERIÃO:

As donzelas podem me soltar? Eu sei andar, sabia? [Os guardas deixam Asterião cair no chão, assustados.] Acho que me enganei. Donzelas são muito mais delicadas.

MINOS:

Segurem ele!

ASTERIÃO:

Nem tentem. [Os guardas ficam confusos, olhando de Minos para Asterião. Debochando.] Bú! [Os guardas fogem, assustados. Para minos.] Você poderia ter sido mais criativo! Francamente, guardas me carregando? Onde você estava com a cabeça?

MINOS:

Eu preciso parar você.

ASTERIÃO:

Mas eu não faço nada há meses! Você precisa encontrar desculpas mais convincentes!

DÉDALO:

Vocês querem parar de discutir? Parecem duas crianças.

ASTERIÃO:

Mas é exatamente isso que nós somos! Duas crianças.

MINOS:

Se você quiser facilitar as coisas... [Minos indica a porta do labirinto.]

ASTERIÃO:

E você realmente acredita que essas paredes vão me deter? Ou você esqueceu dos templos? [Minos olha para Dédalo.]

DÉDALO:

Ele não vai fugir do labirinto.

MINOS:

Você me garante?

ASTERIÃO:

Eu garanto que não. [Minos olha para Asterião, confuso.] Sabe, eu não quero ter que encarar ancinhos e foices da minha janela, todos os dias. Deixe eles acreditarem que eu estou preso aqui, que não poderei sair, e eles serão muito mais amáveis.

MINOS:

E você está aceitando isso, assim, sem mais nem por quê?

ASTERIÃO:

Meu problema não é com eles, é com você. E você certamente sabe que essas paredes não podem me segurar!

MINOS:

Eu sinto muito, Asterião-

ASTERIÃO:

Eu sei. Mas isso não basta. [Para Dédalo.] Pra onde eu vou?

DÉDALO:

Vire à esquerda. Você vai encontrar um caminho de paredes inacabadas. Nã se esqueça de fechar as paredes quando passar. O material está todo lá dentro. As pequenas janelas nas paredes também podem ser encontradas no teto do labirinto, mas o lugar que eu preparei para você ficar está fechado por grades de ferro, que vão permitir a entrada do sol e da chuva e a circulação do ar, e um portal no teto, indicando o lado do mar. Você terá uma fonte de água e poderá cultivar uma pequena horta que já foi plantada por mim. Encontrará também um novelo de ouro, no centro do labirinto, que servirá para te guiar, caso você queira explorar o labilinto. Se você quiser sair do labirinto, vai precisar aprender o caminho para fora. Não marque o caminho, nem deixe rastros, ou alguém pode entrar no labirinto, descobrir como chegar até você e revelar a outra pessoa. Vou pedir a uma de suas criadas, de minha inteira confiança, que leve até você suas roupas e seus pertences. Mais algo que queira saber?

ASTERIÃO:

Sim. Catreu é de minha inteira confiança, e se ele quiser me visitar será muito bem vindo. Mas ele precisa conhecer as regras se quiser vir. Isso pode ser providenciado?

DÉDALO:

Somente se ele quiser vir.

ASTERIÃO:

Ótimo.

MINOS:

E o resto da família?

ASTERIÃO:

Se minha mãe quiser me ver, que encontre o caminho sozinha. Ela pode fazer isso, eu sei. Quanto aos demais, eu encontro vocês.

MINOS:

Mas eu tenho que saber-

ASTERIÃO:

Não deve, nem precisa. E depois, você não vai aparecer mesmo! [Atravessa a porta.] Dédalo?

DÉDALO:

Mais alguma coisa?

ASTERIÃO:

Diga a seu filho que monstro é a vó das fussas dele, [Dédalo faz "que sim", sorrindo.] e muito obrigado por tudo. [Entra no labirinto.]

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