| [O tempo vai passando e Creta vai crescendo e evoluindo. Novas construções vão surgindo e velhas construções desaparecendo. Apenas um lugar continua inalterado pelo tempo: Cnossos.] |
CORO: | [Passeio em Creta. Manhã. Homens trabalhando em construções; preparando terrenos, carregando pedras, erguendo armações para trabalhadores, descansando em vagos momentos; e no campo; realizando colheitas, cultivando novas plantações, cuidando de plantas e animais. Homens exibindo a própria força.] |
| Veja o poder que tem o povo de Creta! |
| Sinta toda a força que vem do povo de Creta! |
| Tudo está mudando. |
| Creta está crescendo. |
| Todos trabalhando |
| E evoluindo, |
| Construindo juntos uma grande civilização. |
| [Homens e mulheres exibindo-se. Famílias passeando em jardins e mercados. Artesãos entalhando adornos em jóias e construções, entalhando esculturas, pintando vasos, adornando e adereçando roupas, fazendo roupas e construindo móveis.] |
| Veja a beleza que existe aqui em Creta! |
| Sinta todo o luxo de quem vive aqui em Creta! |
| Tudo adornado |
| Em grande estilo: |
| Roupas e adereços, |
| Jarras e ladrilhos. |
| O esplendor vivo que se escreve em nossa nação. |
| [Cnossos: entrada principal. Minos sai do palácio, acompanhado de seu séqüito, e segue caminhando até o porto. No caminho, o povo pára para venerá-lo.] |
| Abram alas para o poderoso rei de Creta! |
| Minos, nosso mentor, o soberano aqui em Creta! |
| Financia a força. |
| Apóia a beleza. |
| Gera crescimento. |
| Gere a grandeza. |
| Transformou Creta em uma grande instituição. |
| [Porto de Creta. Minos e sua caravana param à frente do cais, aguardando um navio que se aproxima da ilha. Homens trabalhando no porto ajudam a atracar a nave e erguem uma rampa no navio. Saem tripulantes carregando alguns baús. Europa é a última a sair do navio e juntar-se à comitiva de Minos.] |
| Veja o poder que tem o povo de Creta! |
| Sinta todo o luxo de quem vive aqui em Creta! |
| Minos, nosso mentor, o soberano aqui em Creta! |
| O mundo se curva à grande ilha de Creta! |
MINOS: | Bom dia mãe! |
EUROPA: | Bom dia querido! |
MINOS: | Como anda Sarpédon? Desatina muito ainda? |
EUROPA: | [rindo] Sim, e creio que isso nunca mudará! E o pequeno Asterião, como esteve enquanto estive ausente? |
MINOS: | Nenhuma novidade. E destruindo tudo, como sempre! Creio que isso nunca mudará... [suspira] |
EUROPA: | Isto, meu filho, é algo que tenho certeza que irá mudar! [sorri] |
MINOS: | Tomara! |
|
|
| [Cnossos: jardim do mar. Asterião brincando de pique com outras crianças na planície. Pasífae sentada ao lado do Touro de Creta (Zeus), que está pastando, em outro ponto da planície, observa o filho.] |
PASÍFAE: | É teu filho! Olha como está contente! [Pausa. Provocando.] Não entendo por que deixaste que fizessem esta maldade com ele? |
ZEUS: | Agradeças por ele ser meu filho! Se fosse qualquer mortal, teria se tornado um touro! |
PASÍFAE: | Tens mesmo que se pronunciar enquanto touro? |
ZEUS: | Ninguém está olhando, Pasífae! [Pausa. Senta ao lado e Pasífae.] Afrodite não tem poder sobre a metade divina dele... se tivesse ele teria nascido um bezerro perfeito. |
PASÍFAE: | E pra quê ela fez isso? |
ZEUS: | Ela? Como um castigo para Minos, por ter sido desleal aos deuses. [Pasífae acaricia a cabeça de Zeus.] Me pergunto se ainda me queres... |
PASÍFAE: | Me tens todas as noites, não tens? [Zeus bufa de tédio.] |
ASTERIÃO: | [Correndo em direção à mãe, aos berros.] Mamãe, mamãe! |
PASÍFAE: | Diga, querido! |
ASTERIÃO: | A vovó chegou! |
PASÍFAE: | Que bom, meu bem! [Tira uma flor do chão e dá para Asterião.] Leva isso pra ela por mim, sim? |
ASTERIÃO: | Tá! Eu vou lá dar pra ela! [Sai correndo em direção ao palácio, tropeçando e esbarrando em tudo que está no caminho.] |
PASÍFAE: | Ele é mesmo formidável, não é? |
ZEUS: | Sim, mas claro! Ele é meu filho, não? |
|
|
| [Cnossos: corredores do palácio, a caminho do quarto de Europa. Minos e Europa seguem os criados, estes levando baús para o quarto de Europa. Ruídos de coisas quebrando de um lugar distante.] |
MINOS: | [entediado] Ele está vindo. |
| [De uma das ramificações do corredor, surge Asterião, correndo esbaforido, lutando para manter os cascos que tem no lugar dos pés firmes no chão. Minos e Europa interrompem a caminhada enquanto os criados continuam, levando os baús para o quarto. Depois de quase esbarrar numa parede do corredor, Asterião corre para entregar a flor à avó, desviando desastrosamente dos criados carregando os baús. Pára à frente de Europa e estende as mãos, dando a flor à avó.] |
EUROPA: | [Pegando a flor da mão de Asterião.] Pra mim, meu querido? |
ASTERIÃO: | Mamãe quem lhe deu esta flor! Ela está lá no jardim do mar, com o Touro de Creta! |
EUROPA: | Imaginei que estivesse... Diga-lhe que mais tarde irei lá agradecê-la, pois agora estou muito cansada. Tomarei um banho e descansarei. Pode dar o recado, Asterião? |
ASTERIÃO: | Tá, eu digo! |
MINOS: | [sorrindo] E pare de correr dentro do castelo, Asterião! Depois passe na sala do trono. Tenho uma tarefa pra você! |
ASTERIÃO: | Mais trabalho? |
MINOS: | Você vai gostar dessa tarefa, garoto. Eu prometo! |
ASTERIÃO: | [Mais serelepe que o normal.] Oba! Então eu vou rápido... [É cortado por Minos.] |
MINOS: | Eu disse pra não correr! |
ASTERIÃO: | Mas... |
EUROPA: | Garoto, se não quiser obedecer seu pai, isso pode ser considerável... |
MINOS: | [revoltado] MÃE! |
EUROPA: | Quieto Minos! [Volta a se dirigir a Asterião] Mas deve respeitá-lo. E sem dúvida nenhuma, e isso é muito importante: você não pode desobedecer a uma ordem do rei de Creta! E creio que você sabe que é o rei de Creta quem está lhe dando uma tarefa, não sabe? |
ASTERIÃO: | [inconformado] Sei... |
MINOS: | [Se ajoelha diante de Asterião e encara-o.] Vai brincar, vai, garoto! Mais tarde você dá um pulinho lá na sala do trono e eu te digo o que você vai fazer! [Levanta. Esfregando a mão no topo da cabeça de Asterião.] E põe um sorriso nesse rosto! Você está inteiro, e o dia está lindo! |
ASTERIÃO: | [Desanimado, saindo.] Tá bom! [Sai pelo mesmo caminho por onde veio. Minos e Europa retomam a caminhada ao quarto.] |
|
|
| [Cnossos: sala do trono. Minos está em pé, diante do tanque, observando os peixes. O sol de meio dia reflete no teto da sala do trono através da água no tanque. Asterião entra apressado, mas sem correr, e pára sorridente diante de Minos.] |
MINOS: | Mas você está muito contente, Asterião! |
ASTERIÃO: | É que o senhor nunca me deu nenhum trabalho do qual eu gostasse! Essa é a primeira vez! |
MINOS: | Mas você nem sabe o que vai ter que fazer ainda! |
ASTERIÃO: | Mas o senhor me prometeu que eu ia gostar, e eu acredito no senhor! |
MINOS: | Certo! [Senta no trono, Asterião na sua cola.] Eu quero que você entre na câmara e separe dos objetos que estão lá os que, de alguma forma, qualquer uma, você não possa utilizar. |
ASTERIÃO: | O que tem lá dentro? |
MINOS: | [sorrindo] Vai lá conferir! |
| [Asterião entra correndo na câmara. Minos faz uma contagem regressiva com os dedos. Ao término da contagem, Asterião grita:] |
ASTERIÃO: | [alucinado] BRINQUEDOS! |
MINOS: | [rindo] Acabou o sossego! |
ASTERIÃO: | [Corre até a porta da câmara.] Pra quê? |
MINOS: | Separe, depois eu digo! [Asterião volta correndo para dentro da câmara] Hoje ele não vai nem dormir... [Levanta e segue vagarosamente até a câmara. Lá dentro, Asterião separa euforicamente os brinquedos arrumados ao longo da parede, ao lado da porta. Há todo tipo de projetos de brinquedo, e brinquedos de fato, dentro da câmara. Para crianças e adultos, meninos e meninas, jogos e bonecos, de pedra e de madeira... Minos fica assistindo Asterião separar os brinquedos, imaginando como seria se o garoto fosse um menino normal. Depois de alguns minutos correndo pra lá e pra cá, Asterião se põe diante de Minos, contente.] |
ASTERIÃO: | Pronto! Aqueles ali que eu deixei no canto são os que o senhor me pediu pra separar! Pra quê são esses brinquedos? |
MINOS: | Quero que você escolha um jardim para brincarem seus amigos, seus irmãos e você. Um lugar onde vocês possam fazer o que quiserem, [Asterião abre a boca, entusiasmado, para dizer alguma coisa, mas é cortado por Minos, que não parou ainda de falar.] e bem longe do jardim do mar! |
ASTERIÃO: | [desapontado] Mas todo mundo brinca lá! |
MINOS: | Por isso mesmo que eu estou lhe pedindo para escolher outro lugar! Você é o mais velho dos seus irmãos, sabe de que todos eles gostam, e o jardim do mar é um lugar de descanso e tranqüilidade, coisa que não tem sido com vocês brincando lá! |
ASTERIÃO: | [desanimado] Mas, e se eu escolher um lugar ruim, todos vão ficar bravos comigo! Até as mães dos meus amigos, que já não gostam muito de mim e... |
MINOS: | [Interrompendo Asterião, a mão direita no ombro esquerdo do garoto.] Pois eu tenho certeza que você vai encontrar o lugar perfeito! Não há em Cnossos uma criança mais criança que você! [Asterião sorri.] Agora, vá procurar o jardim e volte para me dizer onde fica. |
ASTERIÃO: | [Idéia súbita.] Ei! [Dando pulinhos de euforia.] Eu já sei onde pode ser! |
|
|
| [Cnossos: jardim do minotauro. Tarde nublada. Asterião chega puxando Minos pela mão. Eles param no centro do jardim.] |
ASTERIÃO: | É aqui! |
MINOS: | [maravilhado] Mas esse jardim é lindo! E enorme! [Dá uma conferida no jardim à sua volta.] Tem até um bosque! |
ASTERIÃO: | O senhor disse que poderia ser qualquer jardim! |
MINOS: | [Ainda analisando o jardim.] Não é isso, meu filho! [Asterião congela ao som da expressão “meu filho”, seu rosto ganha uma expressão melancólica.] É que eu fiquei fascinado por isso aqui! Eu nem sabia que... [Para instantaneamente de falar ao pôr os olhos em Asterião, assustado.] O que foi, meu filho? [Asterião começa a chorar repentinamente: desesperadamente, aos soluços e copiosamente. Minos se assusta ainda mais, e começa a engasgar as palavras.] O que aconteceu? Você se machucou? Viu alguma coisa? Eu fiz algo errado? Eu disse algo ruim, meu filho? Você nunca chorou na vida! [Realizando a verdade das palavras que acabou de pronunciar.] Nem quando era um bebê! |
ASTERIÃO: | [Aos soluços.] O senhor nunca me chamou de filho! |
| [Minos congela, exatamente como Asterião congelou ao ouvir as palavras “meu filho” pela primeira vez. Sua garganta seca. Ele engole o seco da garganta e percebe que de seus olhos começaram a jorrar lágrimas, enquanto ele observava o garoto chorar e soluçar desesperadamente. Antes que Asterião perceba que ele está chorando, Minos abraça o menino com toda a força que pode.] |
MINOS: | [ganindo] Me perdoa, meu filho! Por favor, me perdoa! |
|
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| [Cnossos: quarto de Asterião. Asterião não pára de chorar. Chora aos soluços, com a cabeça enterrada no travesseiro, deitado na cama. Pasífae dá voltas aflitas pelo quarto, observando o filho. Catreu e Deucalião despejam na mãe e no irmão olhares curiosos, através da porta, do lado de fora do quarto.] |
CATREU: | [Sem saber pra quem olhar.] Mãe, o Asterião tá doente? |
PASÍFAE: | [aflita] Não, meu bem. Eu não sei o que deu nele, mas posso te garantir que ele não está doente! |
| [Catreu pega Deucalião pelo braço e entra no quarto, puxando o menino. Os dois atravessam o quarto até alcançar Asterião. Asterião senta-se e encara Deucalião, que agora está sentado sobre os pés, observando-o. Deucalião admira Asterião por alguns instantes, depois abraça-o. Pasífae, que estava observando os filhos, senta-se na ponta da cama, admirando a cena, agora menos aflita. Minos entra silenciosamente, atravessa o quarto e senta-se ao lado de Asterião.] |
MINOS: | É melhor vocês irem dormir, meninos. Amanhã vocês vão ter um dia muito cheio! [Deucalião solta Asterião e olha para Catreu. Catreu passa suavemente a palma mão no rosto de Asterião, da testa até a boca, e sai, levando Deucalião pelo braço. Olhando para Asterião.] E isso serve pra você também, garoto. Eu já pedi a uma das criadas pra te trazer um copo de leite pra você. Bebe e trata de dormir, porque amanhã você vai estar muito mais ocupado que os seus irmãos. [Beija a testa de Asterião, levanta e pára ao lado de Pasífae.] Vamos, Pasífae? |
PASÍFAE: | Mas Asterião... |
MINOS: | [Interrompendo Pasífae.] Ele está bem, minha cara. Vamos! |
PASÍFAE: | Mas eu quero saber o que houve... |
MINOS: | [Interrompendo Pasífae.] Eu posso lhe contar o que aconteceu. Agora, vamos? |
| [Pasífae hesita por alguns instantes, depois simplesmente levanta e sai com Minos. Pouco tempo depois entra Criada 4, com um copo de leite na mão. Ela senta-se ao lado de Asterião e lhe estende o copo. O menino pega relutantemente o copo da mão da criada e bebe o leite devagar.] |
CRIADA 4: | Finalmente, as coisas estão começando a mudar, menino. [pausa] E depois do dia de hoje, um futuro brilhante é o que te aguarda. [sorri] Mas não abandone tua infância por causa das mudanças! Seja isso que você sempre foi. Um menino. [Asterião termina de tomar o leite e entrega o copo à Criada. Saindo.] Os deuses vão sucumbir pela maldade que te fizeram. Mas eles são todos uns inúteis mesmo! [Sai do quarto.] |
ASTERIÃO: | O que foi? |
| O que há? |
| Por que eu me sinto assim? |
| Fora do |
| Meu lugar. |
| Tão perdido dentro de mim. |
| Onde vou? |
| Quê buscar? |
| Sei que há algo que perdi. |
| Procurar. |
| Encontrar. |
| Dor que ainda não sofri. |
| E se for? |
| Se houver? |
| Um dia irá perceber |
| Que não sou |
| Desigual, |
| Que eu também posso sofrer. |
| [Fica em pé na cama.] |
| Se sorrir |
| E cantar |
| Não puderem me ajudar |
| Eu já sei |
| E farei. |
| [Desce da cama.] |
| Não importa o que custar. |
| [Caminhando até a porta.] |
| E vou me |
| Esforçar |
| Pra provar o que há em mim! |
| Tão normal. |
| [Pára, admirando o corredor, e começa a sorrir.] |
| Tão real. |
| Algo que o mundo já viu! |
| Quem não tem? |
| Quem não é? |
| [Volta para a cama e pega um lençol.] |
| Como posso viver sem? |
| Se vier... |
| [Abraça o lençol.] |
| Se puder... |
| Vou resistir até chegar! |
| [Dançando com o lençol.] |
| Tralalá! |
| Tralalá! |
| Tralalá Lalá Lalalá! |
| Mhmhm! |
| Mhmhm! |
| [melodia] |
| Vou lutar! |
| Vou vencer |
| E ganhar meu prêmio no fim! |
| Eu já sei |
| [Pára de dançar em frente à janela e admira as estrelas.] |
| Conquistar |
| Tudo que eu sempre quis ter. |
18 de out. de 2010
O Minotauro (Infância)
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