18 de out. de 2010

O Minotauro (Infância)

 

[O tempo vai passando e Creta vai crescendo e evoluindo. Novas construções vão surgindo e velhas construções desaparecendo. Apenas um lugar continua inalterado pelo tempo: Cnossos.]

CORO:

[Passeio em Creta. Manhã. Homens trabalhando em construções; preparando terrenos, carregando pedras, erguendo armações para trabalhadores, descansando em vagos momentos; e no campo; realizando colheitas, cultivando novas plantações, cuidando de plantas e animais. Homens exibindo a própria força.]

 

Veja o poder que tem o povo de Creta!

 

Sinta toda a força que vem do povo de Creta!

 

Tudo está mudando.

 

Creta está crescendo.

 

Todos trabalhando

 

E evoluindo,

 

Construindo juntos uma grande civilização.

 

[Homens e mulheres exibindo-se. Famílias passeando em jardins e mercados. Artesãos entalhando adornos em jóias e construções, entalhando esculturas, pintando vasos, adornando e adereçando roupas, fazendo roupas e construindo móveis.]

 

Veja a beleza que existe aqui em Creta!

 

Sinta todo o luxo de quem vive aqui em Creta!

 

Tudo adornado

 

Em grande estilo:

 

Roupas e adereços,

 

Jarras e ladrilhos.

 

O esplendor vivo que se escreve em nossa nação.

 

[Cnossos: entrada principal. Minos sai do palácio, acompanhado de seu séqüito, e segue caminhando até o porto. No caminho, o povo pára para venerá-lo.]

 

Abram alas para o poderoso rei de Creta!

 

Minos, nosso mentor, o soberano aqui em Creta!

 

Financia a força.

 

Apóia a beleza.

 

Gera crescimento.

 

Gere a grandeza.

 

Transformou Creta em uma grande instituição.

 

[Porto de Creta. Minos e sua caravana param à frente do cais, aguardando um navio que se aproxima da ilha. Homens trabalhando no porto ajudam a atracar a nave e erguem uma rampa no navio. Saem tripulantes carregando alguns baús. Europa é a última a sair do navio e juntar-se à comitiva de Minos.]

 

Veja o poder que tem o povo de Creta!

 

Sinta todo o luxo de quem vive aqui em Creta!

 

Minos, nosso mentor, o soberano aqui em Creta!

 

O mundo se curva à grande ilha de Creta!

MINOS:

Bom dia mãe!

EUROPA:

Bom dia querido!

MINOS:

Como anda Sarpédon? Desatina muito ainda?

EUROPA:

[rindo] Sim, e creio que isso nunca mudará! E o pequeno Asterião, como esteve enquanto estive ausente?

MINOS:

Nenhuma novidade. E destruindo tudo, como sempre! Creio que isso nunca mudará... [suspira]

EUROPA:

Isto, meu filho, é algo que tenho certeza que irá mudar! [sorri]

MINOS:

Tomara!

 

 

 

[Cnossos: jardim do mar. Asterião brincando de pique com outras crianças na planície. Pasífae sentada ao lado do Touro de Creta (Zeus), que está pastando, em outro ponto da planície, observa o filho.]

PASÍFAE:

É teu filho! Olha como está contente! [Pausa. Provocando.] Não entendo por que deixaste que fizessem esta maldade com ele?

ZEUS:

Agradeças por ele ser meu filho! Se fosse qualquer mortal, teria se tornado um touro!

PASÍFAE:

Tens mesmo que se pronunciar enquanto touro?

ZEUS:

Ninguém está olhando, Pasífae! [Pausa. Senta ao lado e Pasífae.] Afrodite não tem poder sobre a metade divina dele... se tivesse ele teria nascido um bezerro perfeito.

PASÍFAE:

E pra quê ela fez isso?

ZEUS:

Ela? Como um castigo para Minos, por ter sido desleal aos deuses. [Pasífae acaricia a cabeça de Zeus.] Me pergunto se ainda me queres...

PASÍFAE:

Me tens todas as noites, não tens? [Zeus bufa de tédio.]

ASTERIÃO:

[Correndo em direção à mãe, aos berros.] Mamãe, mamãe!

PASÍFAE:

Diga, querido!

ASTERIÃO:

A vovó chegou!

PASÍFAE:

Que bom, meu bem! [Tira uma flor do chão e dá para Asterião.] Leva isso pra ela por mim, sim?

ASTERIÃO:

Tá! Eu vou lá dar pra ela! [Sai correndo em direção ao palácio, tropeçando e esbarrando em tudo que está no caminho.]

PASÍFAE:

Ele é mesmo formidável, não é?

ZEUS:

Sim, mas claro! Ele é meu filho, não?

 

 

 

[Cnossos: corredores do palácio, a caminho do quarto de Europa. Minos e Europa seguem os criados, estes levando baús para o quarto de Europa. Ruídos de coisas quebrando de um lugar distante.]

MINOS:

[entediado] Ele está vindo.

 

[De uma das ramificações do corredor, surge Asterião, correndo esbaforido, lutando para manter os cascos que tem no lugar dos pés firmes no chão. Minos e Europa interrompem a caminhada enquanto os criados continuam, levando os baús para o quarto. Depois de quase esbarrar numa parede do corredor, Asterião corre para entregar a flor à avó, desviando desastrosamente dos criados carregando os baús. Pára à frente de Europa e estende as mãos, dando a flor à avó.]

EUROPA:

[Pegando a flor da mão de Asterião.] Pra mim, meu querido?

ASTERIÃO:

Mamãe quem lhe deu esta flor! Ela está lá no jardim do mar, com o Touro de Creta!

EUROPA:

Imaginei que estivesse... Diga-lhe que mais tarde irei lá agradecê-la, pois agora estou muito cansada. Tomarei um banho e descansarei. Pode dar o recado, Asterião?

ASTERIÃO:

Tá, eu digo!

MINOS:

[sorrindo] E pare de correr dentro do castelo, Asterião! Depois passe na sala do trono. Tenho uma tarefa pra você!

ASTERIÃO:

Mais trabalho?

MINOS:

Você vai gostar dessa tarefa, garoto. Eu prometo!

ASTERIÃO:

[Mais serelepe que o normal.] Oba! Então eu vou rápido... [É cortado por Minos.]

MINOS:

Eu disse pra não correr!

ASTERIÃO:

Mas...

EUROPA:

Garoto, se não quiser obedecer seu pai, isso pode ser considerável...

MINOS:

[revoltado] MÃE!

EUROPA:

Quieto Minos! [Volta a se dirigir a Asterião] Mas deve respeitá-lo. E sem dúvida nenhuma, e isso é muito importante: você não pode desobedecer a uma ordem do rei de Creta! E creio que você sabe que é o rei de Creta quem está lhe dando uma tarefa, não sabe?

ASTERIÃO:

[inconformado] Sei...

MINOS:

[Se ajoelha diante de Asterião e encara-o.] Vai brincar, vai, garoto! Mais tarde você dá um pulinho lá na sala do trono e eu te digo o que você vai fazer! [Levanta. Esfregando a mão no topo da cabeça de Asterião.] E põe um sorriso nesse rosto! Você está inteiro, e o dia está lindo!

ASTERIÃO:

[Desanimado, saindo.] Tá bom! [Sai pelo mesmo caminho por onde veio. Minos e Europa retomam a caminhada ao quarto.]

 

 

 

[Cnossos: sala do trono. Minos está em pé, diante do tanque, observando os peixes. O sol de meio dia reflete no teto da sala do trono através da água no tanque. Asterião entra apressado, mas sem correr, e pára sorridente diante de Minos.]

MINOS:

Mas você está muito contente, Asterião!

ASTERIÃO:

É que o senhor nunca me deu nenhum trabalho do qual eu gostasse! Essa é a primeira vez!

MINOS:

Mas você nem sabe o que vai ter que fazer ainda!

ASTERIÃO:

Mas o senhor me prometeu que eu ia gostar, e eu acredito no senhor!

MINOS:

Certo! [Senta no trono, Asterião na sua cola.] Eu quero que você entre na câmara e separe dos objetos que estão lá os que, de alguma forma, qualquer uma, você não possa utilizar.

ASTERIÃO:

O que tem lá dentro?

MINOS:

[sorrindo] Vai lá conferir!

 

[Asterião entra correndo na câmara. Minos faz uma contagem regressiva com os dedos. Ao término da contagem, Asterião grita:]

ASTERIÃO:

[alucinado] BRINQUEDOS!

MINOS:

[rindo] Acabou o sossego!

ASTERIÃO:

[Corre até a porta da câmara.] Pra quê?

MINOS:

Separe, depois eu digo! [Asterião volta correndo para dentro da câmara] Hoje ele não vai nem dormir... [Levanta e segue vagarosamente até a câmara. Lá dentro, Asterião separa euforicamente os brinquedos arrumados ao longo da parede, ao lado da porta. Há todo tipo de projetos de brinquedo, e brinquedos de fato, dentro da câmara. Para crianças e adultos, meninos e meninas, jogos e bonecos, de pedra e de madeira... Minos fica assistindo Asterião separar os brinquedos, imaginando como seria se o garoto fosse um menino normal. Depois de alguns minutos correndo pra lá e pra cá, Asterião se põe diante de Minos, contente.]

ASTERIÃO:

Pronto! Aqueles ali que eu deixei no canto são os que o senhor me pediu pra separar! Pra quê são esses brinquedos?

MINOS:

Quero que você escolha um jardim para brincarem seus amigos, seus irmãos e você. Um lugar onde vocês possam fazer o que quiserem, [Asterião abre a boca, entusiasmado, para dizer alguma coisa, mas é cortado por Minos, que não parou ainda de falar.] e bem longe do jardim do mar!

ASTERIÃO:

[desapontado] Mas todo mundo brinca lá!

MINOS:

Por isso mesmo que eu estou lhe pedindo para escolher outro lugar! Você é o mais velho dos seus irmãos, sabe de que todos eles gostam, e o jardim do mar é um lugar de descanso e tranqüilidade, coisa que não tem sido com vocês brincando lá!

ASTERIÃO:

[desanimado] Mas, e se eu escolher um lugar ruim, todos vão ficar bravos comigo! Até as mães dos meus amigos, que já não gostam muito de mim e...

MINOS:

[Interrompendo Asterião, a mão direita no ombro esquerdo do garoto.] Pois eu tenho certeza que você vai encontrar o lugar perfeito! Não há em Cnossos uma criança mais criança que você! [Asterião sorri.] Agora, vá procurar o jardim e volte para me dizer onde fica.

ASTERIÃO:

[Idéia súbita.] Ei! [Dando pulinhos de euforia.] Eu já sei onde pode ser!

 

 

 

[Cnossos: jardim do minotauro. Tarde nublada. Asterião chega puxando Minos pela mão. Eles param no centro do jardim.]

ASTERIÃO:

É aqui!

MINOS:

[maravilhado] Mas esse jardim é lindo! E enorme! [Dá uma conferida no jardim à sua volta.] Tem até um bosque!

ASTERIÃO:

O senhor disse que poderia ser qualquer jardim!

MINOS:

[Ainda analisando o jardim.] Não é isso, meu filho! [Asterião congela ao som da expressão “meu filho”, seu rosto ganha uma expressão melancólica.] É que eu fiquei fascinado por isso aqui! Eu nem sabia que... [Para instantaneamente de falar ao pôr os olhos em Asterião, assustado.] O que foi, meu filho? [Asterião começa a chorar repentinamente: desesperadamente, aos soluços e copiosamente. Minos se assusta ainda mais, e começa a engasgar as palavras.] O que aconteceu? Você se machucou? Viu alguma coisa? Eu fiz algo errado? Eu disse algo ruim, meu filho? Você nunca chorou na vida! [Realizando a verdade das palavras que acabou de pronunciar.] Nem quando era um bebê!

ASTERIÃO:

[Aos soluços.] O senhor nunca me chamou de filho!

 

[Minos congela, exatamente como Asterião congelou ao ouvir as palavras “meu filho” pela primeira vez. Sua garganta seca. Ele engole o seco da garganta e percebe que de seus olhos começaram a jorrar lágrimas, enquanto ele observava o garoto chorar e soluçar desesperadamente. Antes que Asterião perceba que ele está chorando, Minos abraça o menino com toda a força que pode.]

MINOS:

[ganindo] Me perdoa, meu filho! Por favor, me perdoa!

 

 

 

[Cnossos: quarto de Asterião. Asterião não pára de chorar. Chora aos soluços, com a cabeça enterrada no travesseiro, deitado na cama. Pasífae dá voltas aflitas pelo quarto, observando o filho. Catreu e Deucalião despejam na mãe e no irmão olhares curiosos, através da porta, do lado de fora do quarto.]

CATREU:

[Sem saber pra quem olhar.] Mãe, o Asterião tá doente?

PASÍFAE:

[aflita] Não, meu bem. Eu não sei o que deu nele, mas posso te garantir que ele não está doente!

 

[Catreu pega Deucalião pelo braço e entra no quarto, puxando o menino. Os dois atravessam o quarto até alcançar Asterião. Asterião senta-se e encara Deucalião, que agora está sentado sobre os pés, observando-o. Deucalião admira Asterião por alguns instantes, depois abraça-o. Pasífae, que estava observando os filhos, senta-se na ponta da cama, admirando a cena, agora menos aflita. Minos entra silenciosamente, atravessa o quarto e senta-se ao lado de Asterião.]

MINOS:

É melhor vocês irem dormir, meninos. Amanhã vocês vão ter um dia muito cheio! [Deucalião solta Asterião e olha para Catreu. Catreu passa suavemente a palma mão no rosto de Asterião, da testa até a boca, e sai, levando Deucalião pelo braço. Olhando para Asterião.] E isso serve pra você também, garoto. Eu já pedi a uma das criadas pra te trazer um copo de leite pra você. Bebe e trata de dormir, porque amanhã você vai estar muito mais ocupado que os seus irmãos. [Beija a testa de Asterião, levanta e pára ao lado de Pasífae.] Vamos, Pasífae?

PASÍFAE:

Mas Asterião...

MINOS:

[Interrompendo Pasífae.] Ele está bem, minha cara. Vamos!

PASÍFAE:

Mas eu quero saber o que houve...

MINOS:

[Interrompendo Pasífae.] Eu posso lhe contar o que aconteceu. Agora, vamos?

 

[Pasífae hesita por alguns instantes, depois simplesmente levanta e sai com Minos. Pouco tempo depois entra Criada 4, com um copo de leite na mão. Ela senta-se ao lado de Asterião e lhe estende o copo. O menino pega relutantemente o copo da mão da criada e bebe o leite devagar.]

CRIADA 4:

Finalmente, as coisas estão começando a mudar, menino. [pausa] E depois do dia de hoje, um futuro brilhante é o que te aguarda. [sorri] Mas não abandone tua infância por causa das mudanças!  Seja isso que você sempre foi. Um menino. [Asterião termina de tomar o leite e entrega o copo à Criada. Saindo.] Os deuses vão sucumbir pela maldade que te fizeram. Mas eles são todos uns inúteis mesmo! [Sai do quarto.]

ASTERIÃO:

O que foi?

 

O que há?

 

Por que eu me sinto assim?

 

Fora do

 

Meu lugar.

 

Tão perdido dentro de mim.

 

Onde vou?

 

Quê buscar?

 

Sei que há algo que perdi.

 

Procurar.

 

Encontrar.

 

Dor que ainda não sofri.

 

E se for?

 

Se houver?

 

Um dia irá perceber

 

Que não sou

 

Desigual,

 

Que eu também posso sofrer.

 

[Fica em pé na cama.]

 

Se sorrir

 

E cantar

 

Não puderem me ajudar

 

Eu já sei

 

E farei.

 

[Desce da cama.]

 

Não importa o que custar.

 

[Caminhando até a porta.]

 

E vou me

 

Esforçar

 

Pra provar o que há em mim!

 

Tão normal.

 

[Pára, admirando o corredor, e começa a sorrir.]

 

Tão real.

 

Algo que o mundo já viu!

 

Quem não tem?

 

Quem não é?

 

[Volta para a cama e pega um lençol.]

 

Como posso viver sem?

 

Se vier...

 

[Abraça o lençol.]

 

Se puder...

 

Vou resistir até chegar!

 

[Dançando com o lençol.]

 

Tralalá!

 

Tralalá!

 

Tralalá Lalá Lalalá!

 

Mhmhm!

 

Mhmhm!

 

[melodia]

 

Vou lutar!

 

Vou vencer

 

E ganhar meu prêmio no fim!

 

Eu já sei

 

[Pára de dançar em frente à janela e admira as estrelas.]

 

Conquistar

 

Tudo que eu sempre quis ter.


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